A REFORMA PROIBIDA
Desde que foi adquirido, acompanhou de muito perto, o amadurecimento do jovem casal.
Foi solidário.
A cada ruga apontada, compensava com uma mancha no próprio corpo.
O tempo foi passando e já sem luz, com algumas cicatrizes e pedaços retirados em um e outro canto, chegara a hora da renovação.
Quem nele refletiu todas as idades, tenta iludir o implacável registro do passar dos tempos e da vida.
Mudam com a moda.
Pintam os cabelos, disfarçam os vincos. Se profundos, preenchem-nos com substâncias químicas.
Fortalecem os músculos, aplicam cremes. Fazem plásticas.
Trocam as lentes dos olhos.
A verdade aparece. Reveladora e sincera.
Na falta de outro culpado para a indesejada transformação, sobra para quem, estático, apenas fez o que é sua natureza.
Por mais que escondam evidências, sinais e alertas, eles projetam um resto de tempo que não poderá ser mais longo do que estava escrito.
Os ciclos da vida chegam ao fim. Para todos.
Maktub.
Um dia, tinha de acontecer.
A velha casa para se adaptar aos usos modernos, também pede mudanças.
Os muros e portões, antes receptivos e aconchegantes, cresceram. Com a diminuição da urbanidade, tornaram-se hostis. Ganharam espinhos. Cercas, microfones, câmeras e até repelem os forasteiros a choque elétrico.
As salas, sempre pedindo novos móveis, de matéria plástica, imunes aos cupins, exigem mais espaço para as imensas telas de TV.
Sem mais ninguém pra tomar conta, aparelhos inteligentes e bancadas ergonômicas compensam a falta de vocação dos novos cozinheiros.
Na vez do banheiro, uma descoberta arqueológica atesta seu tempo de serviço.
Na parede desnuda, algum pedreiro deixou, em tinta desbotada, marca e registro do exato tempo de trabalho prestado à família.
Clidenor – 27/10/1988.
Ainda insuficiente para aposentadoria pela nova lei da previdência.
O jeito é apelar para a incapacidade física permanente.
Oxidado, o antigo espelho faz jus ao merecido descanso.
(Texto baseado em publicação de 22/01/2020, com o título: Espelho da Reforma)