DIREITO DE AVÔ
Enquanto esperava pela chegada das vacinas, o grupo mais prioritário e velho, fazia planos para quando a imunidade chegarasse.
Onze entre dez avós, nas entrevistas-flash de TV, revelavam a mesma intenção.
O abraço aos netos era o que primeiro vinha às cabeças grisalhas quando perguntadas o que fariam depois que se livrarssem dos grilhões do isolamento sócio-familiar.
Esta realidade não foi percebida pelos sempre antenados parlamentares
Ninguém lembrou de patrocinar uma norma legal, um mecanismo que compensasse as perdas afetivas que sofreram os anciãos no interminável ano de 2021.
O tempo perdido de convívio deveria ter sido calculado, auditado e acrescido ao que resta, cada vez mais curto, com término já avistado no horizonte, no poente da vida.
Ou que determinasse o adiamento ao máximo, a chegada quase certa do implacável doutor alemão.
Para o reencontro, aos nipotes também deveriam ter sido asseguradas outras prerrogativas.
Se fossem detectados prejuízos ou falta de algum presente em datas promocionais do comércio, os nonnos seriam obrigados a uma visita conjunta ao shopping, para escolha dos brinquedos em atraso.
Fora das notas taquigráficas dos parlamentos, resta ao provecto aprendiz de cronista, contar de novo as mesmas estórias, como esta, postada neste Território Livre, há três anos:
Ao provocar, de mentirinha, que no quarto aniversário do segundo neto (numerado com orgulho, como todos os avós fazem), o presente seria um pijama com estampa de carneirinhos, veio de pronto a ameaça fulminante:
–Se fizer isso, nunca mais venho chupar jabuticaba com você.
Como não era nenhum vovô-bobão, o ancião tratou logo de pesquisar se a Caixa Econômica financiava Castelo do Aquaman.
