2 de maio de 2024
Imprensa NacionalMemória

ESPÉCIME EM EXTINÇÃO

Café da manhã- Norman Rockwell – Capa da revista The Saturday Evening Post em 23 de Agosto de 1930


O necrológio está pronto.

Os boletins médicos não são animadores, mas o paciente resiste aos prognósticos sombrios.

Continua respirando sem ajuda de aparelhos, e mantém os sinais vitais estáveis.

O jornal está vivo e bulindo, mas preocupa.

A arrastada migração do papel para as telinhas dos smartphones tem alimentado a barriga de muitos profetas dos últimos dias.

A pandemia, além de fonte inesgotável de notícias, também obrigou mudanças abissais na comunicação.

Não foram só as olivettis que sumiram.

As românticas redações naufragaram no distanciamento.

Isolados, protegidos nos seus quadrados domésticos, caçadores de novidades  continuaram enfrentando as feras.

Pautas, pregadas nos grupos de WhatsApp.

Entrevistas, online.

Respostas, por escrito, revisadas e repensadas.

Coletivas, nos chats.

Documentos, atachados.

Fotos, de selfies em ângulos fotogênicos.

Desmentidos, exterminados pelo método juruna de gravação.

Sustentadas em sólidas colunas, e bem acomodados nos ombros dos monstros sagrados das letras, os periódicos, diários e folhas  não trazem mais, meros relatos dos fatos ocorridos.

A notícia como ela era, nunca mais.

O que importa é como o leitor deve entender os acontecimentos, seguindo a fórmula secreta de formar opinião e fazer cabeças.

A estratégia tem provocado uma mutação genética que já se percebe, no aparecimento de um ser híbrido que passa a dominar o ecossistema das comunicações: o blogueiro e sua mais prevalente variante, o influenciador digital.

O silêncio sobre as vacinas nunca antes empregadas, mas proibidas de serem classificadas de experimentais, abriu a porta para o jornalismo de inteligência artificial.

O redator-chefe substituído por algoritmos que filtram das redes sociais o que interessa aos investidores do jornal e aprovam as publicações.

Sinais de melancólico e iminente fim de uma das mais antigas profissões aparecem mais que OVNIs em comunidades de bichos-grilos.

A constatação mais preocupante desde a identificação da Síndrome de Estocolmo.

Há um ano, na reta final da campanha eleitoral, cinco mil jornalistas brasileiros divulgaram carta em apoio ao candidato que nunca defenderam enquanto foi investigado, condenado e preso.

Aproveitaram a onda de esquecimentos jurídicos  e ainda deram uma força para a volta da Censura.

Millôr Fernandes tinha razão.

Os armazéns de secos e molhados acabariam substituindo as bancas de jornais.

O Rádio do General da Cadeira de Braço – Norman Rockwell – Capa da Revista The Saturday Evening Post em 29 de Abril de 1944

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(Texto – com alterações – e ilustrações postadas em 27/10/2022, com o título “Profissão em vias de extinção”)

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