28 de abril de 2024
Memória

ESTÓRIA DE AVÔ ALIENADO

Rui de Paula


Há quem acredite que criança não mente.

Ainda que se  saiba que são mestres em distorcer a realidade, no mundo de fantasias que habitam.

São também vezeiros em transferir responsabilidades.

Muito mais, se tiverem um irmão caçula para assumir a culpa pela vidraça quebrada.

O que os pirralhos dizem, não podem ser consideradas simplesmente pseudomentiras.

São casos para serem estudados por especialistas em Direito da Família, com foco em alienação parental atávica.

A tentativa de fomentar a discórdia entre avós paternos e maternos é mecanismo usado com frequência e tem trazido vantagens para os objetos das disputas afetivas.

Com os resultados esperados pelas supostas vítimas, multiplicação de afagos e inundação de presentes.

O veraneio é época de maior incidência do fenômeno, sem evidências que seja determinado somente por mudanças climáticas, já que nos meses chuvosos também acontecem.

Na variante que contamina quem vai pegar os pestinhas na escola.

Observadores da dinâmica familiar e psicologia da gurizada já identificaram ocorrências mais frequentes, quando os avós gozam as férias  estivais, em praias próximas umas das outras e o fluxo de intercâmbio de netos é mais intenso.

A desavença é fomentada na  competição entre quem dá mais atenção, é mais permissivo ou tem o tempero melhor, incluído o utilizado nas sobremesas variadas.

A causa em tela, envolve também a participação dos tios, com os  agravantes dos sem filhos.

E as que ficaram para tal.

Aos cinco anos, Luiz, além de youtuber, é refinado gourmand, tendo elaborado um cardápio próprio, com as  iguarias que não deixam sobras nos pratos.

É o criador de um ranking, nunca atualizado, com um único item a merecer as três estrelas consagradoras.

Filé à parmegiana.

A posição do cordon bleu, conferido a restaurante especializado em frutos do mar é seguida de Ana Paula, a famosa chefe da cozinha doméstica.

Tendo acertado com a avó materna que teriam a receita premiada para o jantar, o refinado apreciador de carnes nobres participou de visita vespertina no campo dos adversários.

O encontro  prolongou-se  em ceia italiana, regada a demorado montepulciano d’abruzzo pra os adultos, causando revolta sincera, traduzida em  telefonema à outra nonna com o pedido para deixar guardada sua pièce de résistance.

Odeio rondelli.

Na volta, cansado do estafante dia, pensando somente no aconchego da rede, não arranjou outra desculpa para o repentino e  incrível fastio.

A justificativa para que deixassem o manjar  refugado para o dia seguinte, veio acompanhado de denúncia capaz de condenar o outro avô a cumprir como pena,  rigoroso isolamento, a durar até que o capitão-presidente seja vacinado.

Estou sem fome. Vovô me obrigou a tomar uma bacia de sorvete.


Ilustrações: quadros de Rui de Paula, pintor mineiro contemporâneo

(Versão reduzida da publicação original de 13/01/2021)

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