13 de maio de 2024
Memória

FALANDO FRANCAMENTE

Cabra Cega (1983) – Orlando Teruz – Enciclopédia Itaú Cultural, São Paulo


Virtude, não chega a tanto.

Qualidade, ninguém duvida.

Mas pode ser um baita de um defeito que deve ser sempre bem dosado.

Como a retirada honrosa, não tão rápida como uma fuga, nem tão lenta que pareça provocação.  

Nem tanto ao inferno, nem tanto ao purgatório.

Tudo é uma questão de medida, tempero ou prisma.

O que na medida certa é salvação, em excesso pode ser fatal.

Há 15 anos, aos domingos à noite, o programa de maior audiência da TV, apresentava um filmete de cinco minutos, onde em situações variadas, Salgado, um homem comum, assumia em cada episódio o papel de quem dizia a verdade.

Somente a verdade.

Duela a quien duela.

O personagem criado por Fernanda Young  e interpretado por Luiz Fernando Guimarães nunca  se saía bem.

Nem mais ou menos.

O Super Sincero ainda durou cinco temporadas.

Morreu de inverossimilhança.

Esquecemos que a verdade é indivisível.

Conveniências é que obrigam a ser escondida  ou diminuída.

Reduzida à metade, passa a ser mentira.

Sem reciprocidade alguma.

Uma meia mentira também deveria ser considerada uma verdade inteira.

No jogo político ainda há de se considerar intenções, interesses, circunstâncias e interpretações.

Recheado de bravatas, palavrões e porralouquices, a plateia apreensiva, com nervos de flandre,  a transmissão da CPI da Pandemia  alcançou picos de audiência no horário antes morno, dedicado a filmes românticos, água com açúcar.

Sucesso de crítica, também pelo critério do falem mal mas falem de mim.

Agradou somente aos troianos mas até gregos queriam mais.

Falou-se até em roteirista escrevendo uma trama  com as mesmas emoções e outras revelações bombásticas, sob novos ângulos.

Seriam nove homens e duas mulheres, todos de capas pretas, discutindo os assuntos mais variados.

Temas polêmicos, intrigas, influências externas e da mídia.

Ao fim de cada capítulo, uma sentença.

E mais uma  jurisprudência

Na ficção, as sessões não seriam ao vivo e respeitando-se o decoro e o  linguajar erudito, xingamentos estariam liberados.

Com todo respeito e liturgia.

Estaria aberto  um vasto campo para estudos da psicologia das reuniões fechadas.

O analista de Bagé seria ressuscitado para trazer  o vocabulário cerimonioso mais ampliado.

Para ser entendido de sul a norte.

Os galados achariam de afudê. Tri arretado.

Ninguém sabe ao certo quando começa o declínio da sinceridade.

Não deve ser antes dos cinco anos, idade comemorada pelo neto, em quarentena.

Seu agradecimento pela lembrança  do padrinho, recebido pelo Correio, é a melhor prova:

Tio Lula, acho que você não tinha dinheiro pra comprar o presente que eu queria, mas gostei desse também”.

 

Brincadeira de Roda na Roça (1974) –  Orlando Teruz – Enciclopédia Itaú Cultural, São Paulo


(Texto publicado em 25/05/2020)

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