3 de maio de 2024
Nota

Faltou trombone aos comandantes das Forças Armadas

Por Josias de Souza no UOL

No instante em que discutia a edição do decreto que seria usado como pista de aterrissagem do golpe, Bolsonaro descobriu que sua conspiração não tinha asas nem trem de pouso.

Os comandantes da Aeronáutica e, sobretudo, do Exército não aderiram à trama. Exibiram um sopro de lucidez. Faltou-lhes, porém, o trombone. Impediram que o golpe voasse. Mas não denunciaram a existência do plano de voo.

Diante da adesão entusiasmada do almirante Almir Garnier, comandante da Marinha, à proposta de rasgar a Constituição, o legalismo silencioso do general Freire Gomes e do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior foi visto apenas como um mal menor. Poderia ter sido diferente.

No limite, ainda que não quisesse dar voz de prisão também a Bolsonaro e a colegas de farda como os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, Freire Gomes poderia pelo menos ter levado os lábios ao trombone para avisar que havia um golpe em andamento. Marchou noutra direção.

Consumada a derrota de Bolsonaro, Freire Gomes assinou nota conjunta em que os comandantes militares trataram com dubiedade providencial os surtos antidemocráticos do bolsonarismo. A certa altura, o texto condenou “restrições a direitos” impostas por “agentes públicos”. A peça foi recebida como estímulo à manutenção dos acampamentos que pediam intervenção militar na porta dos quarteis.

Às véspera do aniversário de 60 anos do golpe de 64, é desoladora a percepção de que as Forças Armadas estão divididas entre o mal (o golpismo escancarado) e o mal menor (o legalismo envergonhado).

É fácil distinguir qual dos lados é menos maléfico. O difícil é ignorar que escolher o menor de dois males é ainda escolher mal.

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