28 de abril de 2024
Familia

BOCA LIVRE

Banana (1966) – Andy Warhol – Museu Andy Warhol –  Pittsburgh, Pensilvânia


O exemplo de
Domingos Sávio, o santo mais jovem da Igreja em dois mil anos, não serve mais.

Pupilo predileto de outro santo padre, falecido aos 14 anos, vítima de doença fatal, tuberculose, teve a vida romanceada e contada em todas as aulas de catecismo, por todos os lugares onde chegaram a fé e os missionários salesianos.

Os tempos são outros.

Agora, não há obediência que resista aos argumentos.

Fazer ou deixar de fazer alguma coisa, não depende mais de quem manda nem de quem  tem juízo para obedecer.

Lógica e justificativas claras precisam convencer os pequenos donos das próprias ventas.

Na rotina em quarentena, antigos hábitos voltaram quando a vida ficou mais simples.

Na temporada estival, por exemplo, nas beiras de praia onde a ostentação ainda não triunfou, as brincadeiras nas casas dos vizinhos resistem ao isolamento de quem se acostumou com a reclusão dos apartamentos.

A aproximação foi natural.

Nas trocas de bolas na maré-baixa, nas informações sobre as escolas frequentadas e das novas, por começar, quando a pandemia deixasse.

Casas quase vizinhas, de rua tranquila, com trânsito só pra quem chega pra ficar, sugerem o inevitável convite.

Brincar juntos é sempre mais animado. E pra ser bom para todos, um dia em cada casa.

As recomendações continuaram as mesmas do tempo em que se pedia a benção aos pais e se tratava os mais velhos pelos reverentes senhorios.

Quando nas casas alheias, que  olhem e atentem para o comportamento e as boas maneiras, tantas vezes ensinadas.

Pela hora vespertina, depois de esfriado o sol,  a proximidade do jantar impõe o lembrete do compromisso inegociável.

Quando notassem o movimento da mesa sendo posta, era a hora da despedida, do boa-noite e do até amanhã.

O tempo esgotado, o período de trégua previsto e descanso vencidos, fizeram a mãe ir buscar de volta, a algazarra que dois filhos sabem fazer, muito bem.

Logo de cara, o flagrante da dupla contravenção.

Comensais sentados à mesa e cardápio jamais aprovado pelo departamento de nutrição e dietética,  comandado pela rigorosa chefe, por acaso, também médica endocrinologista.

O pratão de salsicha já seria motivo de vigorosa reprimenda, não fosse a bebida de acompanhamento.

Quem nunca teve direito a tomar refrigerante, dos raríssimos  que não se acostumaram ao sabor da aventura, a novidade da fanta laranja era mesmo de não ter notado a chegada do crepúsculo.

Desta vez, o mais novo não estava implicado na  co-autoria do pecado da gula.

Não estava seguindo  o mau exemplo do irmão com fama de bem-ouvido.

Talvez por ter lembrado do filminho que roda pelo YouTube mostrando como se fabrica a iguaria das festinhas de aniversário.

E do alerta enojador:

Se soubessem como são feitas, ninguém comeria.

Na volta pra casa,  a explicação por ter abusado da hospitalidade do novo amigo e na primeira visita, pedido um prato fora do cardápio familiar do dia.

Sanduíche de mozarela pra ser degustado com leite achocolatado.

Foi só pra não perder a boca-livre.

3 garrafas de Coca (1962) – Andy Warhol – Litogravura


(Avós têm mania de repetir as estórias dos netos. E quando eles são os mais espertos do mundo, então?)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *