2 de maio de 2024
Coronavírus

FEITIÇO DO TEMPO

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Salvador Dalí – A persistência da Memória, 1931


Os dias tem sido iguais.

Na quarentena, o ritmo biológico regido por alguma memória ancestral, comanda nosso comportamento, como se a rotina trabalho/descanso/lazer não estivesse comprometida.

O que explica que depois de setenta dias de confinamento, ainda se pense em fazer tarefas em dias certos e determinados?

Como se todo dia agora, não fosse dia de índio.

Trocar as roupas de cama às segundas, deixar a louça suja acumular nos fins de semana, pedir a comida do restaurante predileto aos domingos.

Uísque da happy hour, vinho do sábado à noite, cervejinha do domingo.  Ninguém é de ferro na segunda.

As mesmas 24 horas, tardes, manhãs e noites, e os dias tão iguais.

Se neste momento, todos os bares estão vazios, não é porque hoje não é sábado.

Sábados e todos os outros dias de isolamento são dias  para revisitar Vinicius de Moraes, n’ O Dia da Criação.

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Porque neste momento há um casamento. Adiado.

Há um divórcio e um violamento. Na saúde e na doença.

Há um homem rico que se mata. E tantos pobres.

Há um incesto e uma regata. Clandestinos.

Há um espetáculo de gala. Na live.

Há uma mulher que apanha e cala. E  uma bela Maria da Penha, adormecida.

Há um renovar-se de esperanças. Na vida que seguirá.

Há uma profunda discordância. Pelo poder.

Há um sedutor que tomba morto. Chamado Narciso.

Há um grande espírito de porco. Da natureza.

Há uma mulher que vira homem. No armário, nunca mais.

Há criancinhas que não comem. E jejum de escolas.

Há um piquenique de políticos. Gulosos.

Há um grande acréscimo de sífilis. Dengue, chikungunya, zica, covid-19.

Há um ariano e uma mulata. Um japonês e um mameluco. 

Há uma tensão inusitada. No futuro que não nos pertence.

Há adolescências seminuas. Ninfetas.

Há um vampiro pelas ruas. Vazias.

Há um grande aumento no consumo. Essencial.

Há um noivo louco de ciúmes. Virtuais.

Há uma garden party na cadeia. Domiciliar.

Há uma impassível lua cheia. De saudades.

Há damas de todas as classes. Mascaradas.

Umas difíceis, outras fáceis. De olhar.

Não há um beber e o que brindar. 

Não há a perspectiva do domingo.

Porque hoje, todos os dias são iguais.

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