FOCO NA CIÊNCIA
Rembrandt, 1606-1669
Médicos sempre guardaram quarentena, mesmo que nem percebam.
Acompanhando a complexidade e os conhecimentos que aumentam na velocidade de uma pandemia, cada vez mais, por mais tempo.
6 anos. Outros tantos do curso de graduação.
O período de formação técnica e humanística é marcante. Inesquecível.
A Residência Médica ninguém esquece.
O isolamento da família.
O tempo de incertezas no futuro. Como será depois?
Os planos adiados.
A vida em segundo plano.
Aos bravos médicos residentes destes tempo terríveis, a esperança que tudo isso vai passar.
Vocês serão melhores.
(Publicação original em 14/05/2020)
MATÉRIA CONHECIDA
A residência médica permite aos recém-formados, a prática, sob tutela dos mais experientes, dos conhecimentos amealhados nos seis anos da faculdade.
De acesso restrito a poucos, cada vaga é tão disputada que quem a conquista muito mais que vitorioso, sente-se, simplesmente, o máximo.
Até começar o estágio.
Além da liturgia própria e rígido código de comportamento, há uma hierarquia a ser respeitada.
Nas especialidades cirúrgicas, sempre muita disputa pra ver quem opera mais.
Tarefas distribuídas. As penosas e menos importantes, reservadas aos mais modernos.
Cirurgia completa, de pele-a-pele só para os veteranos.
Aquele R1 (residente calouro), o burro de carga do serviço, reclamava pelos quatro cantos, as poucas oportunidades que tinha de desenvolver suas habilidades.
Quando escalado para o centro cirúrgico era para instrumentar ou então como segundo auxiliar.
Cansou de dar pontos na pele, a maior responsabilidade a ele atribuída.
Já na enfermaria, era dele todo o serviço. Prescrições, evoluções e a entediante burocracia.
Além do encargo de fazer os curativos – tarefa que considerava ser da enfermagem – e descrevê-los em minúcias nas visitas da equipe à beira do leito.
Aquele paciente não vinha evoluindo bem. Curativo sempre sujo, tendo de ser trocado com frequência.
O chefe, resistente em admitir insucessos nas suas intervenções, afirmou que toda aquela secreção escura e mal cheirosa era serosidade.
Coisa normal que logo se resolveria.
Foi aí que o mais jejuno do grupo criou coragem, discordou da autoridade máxima e fez seu próprio diagnóstico.
Para ele, o paciente havia desenvolvido uma fistula intestinal que drenava, cada vez mais, fezes.
E encerrou o caso com uma observação incontestável:
-Isto é merda. E merda eu conheço bem.