INIMIGO SECRETO

 

O Natal da transição encontra o  país ainda rachado ao meio,  mais por teimosia que ideologia política.

A troca de presentes, como todo  órfão de pai e mãe,  procura sua origem, e saber de onde veio.

Da sempre suspeita Grécia antiga.

Do exuberante folclore escandinavo.

Até da onipresente depressão do crack na bolsa, em 39.

A forma de presentear  gastando menos, foi adotada,  primeiro, nas confraternizações das empresas.

Passou para as festas das famílias.

Começando nas de renda baixa, conquistando as de maior poder aquisitivo, pela praticidade, divertimento e crises sucessivas.

Na volta ao velho normal, quando se esperava ser costume consolidado, de repente, não servia mais.

A parentada toda reunida em torno da árvore enfeitada, luzes piscando, é cena de ficção.

Ao fundo musical, Simone cantando que o ano vai terminar, e a pergunta que ninguém responde : e o que você fez?

Nenhuma resposta à acusação subliminar.

Quem votou em quem.

Desta vez, sem intermediários, nem postes.

Águas passadas, repassadas, teimam em mover os moinhos do ressentimento.

Feridas que custam a cicatrizar.

Dá até pra imaginar as pérolas que não seriam ditas antes da revelação do presenteado:

“Meu amigo secreto…       

… . é o maior petralha da família.

… é mais fascista que Mussolini.                                  

… está de mudança pra Venezuela.

… anda com um retrato de Xandão na carteira.

… vibrou com a contusão do menino Neymar.                      

… passou 15 dias acampado na porta do 16.

… vai ganhar de presente uma assinatura da CartaCapital.

… é misógino, homofóbico e racista, sócio da Ku Klux Klan

… anda caído de amores repentinos por Margareth Menezes da Purificação.

… é estuprador e defensor de miliciano.”

Só não vale dizer que é tempo de esquecer o passado, e de voltar com os almoços dos domingos.

(O texto publicado em 16/12/2019, foi atualizado)