2 de maio de 2024
Memória

LÍNGUAS ESTRANHAS

A torre de Babel (1563) – Pieter Bruegel, o velho – Museu de História da Arte, Viena, Áustria


A aldeia global para se completar ainda precisa resolver um problema que vem dos tempos bíblicos.

Babel foi multiplicada às centenas.

A economia globalizada, as facilidades de comunicação e até a necessidade de todos estarem juntos nas grandes tragédias pandêmicas, estão a exigir uma linguagem única.

Ou um aplicativo de tradução instantânea.

Para quem havia aprendido, sem dificuldade, falar em finlandês, com tantas palavras enraizadas, não haveria dificuldades com o grego.

Conseguir balbuciar alguns sons que lembrem o idioma local pode até não facilitar a vida do turista mas dá a sensação de não estar ali somente observando a vida à uma certa distância.

Os dicionários de bolso não são mais nem encontrados.

Aquelas frases que abririam todas as portas aos visitantes agora estão cerradas.

Ninguém manda mais cartões postais.

Nem enrola a língua.

Où est la poste? S’il vous plait.

Não precisa ir muito longe.

Agora mesmo, este seu aparelhinho que lê este  textículo também é um competente tradutor, com incríveis recursos.

Um app de download gratuito, traduz palavras e fases em mais de cem línguas.

Os apressados nem usam o teclado.
Basta escrever na telinha, mesmo com letra de médico que a tradução sai perfeita.

E se quiser boa vida, na função diálogo, fica igual ao Capitão falando para Trump,  I love you...

Aquelas placas com avisos em hieróglifos são decodificadas através de uma simples foto instantânea.

Sem fala , nem escrita. Tradução de imagem.

Na linguagem oral, um inacreditável leque (ou ventilador portátil) de possibilidades.

Módulo falar mais devagar e até a opção de escolha do tom de voz do intérprete.

Homem, mulher.
Timbre de idoso ou de criança.

Um diminuto par de fones de ouvido é o curso de imersão mais rápido para  conversa fluente, em qualquer língua, em tempo real, com delay de 0,2 segundos.

Vêm mais aposentadorias por aí.

Tradutores, bilíngues e virtuais, em extinção.

Não há mais idioma estrangeiro.

Fica na lembrança a desenvoltura de quem, para impressionar os amigos que dividiam mesa em restaurante grego, disse ter estudado o suficiente para pedir a conta no vernáculo do colega Hipócrates.

Depois de atrair a atenção do garçom  com o universal psiu,  circulou no ar o dedo indicador e foi atendido.

O milagre da comunicação que havia ocorrido na Finlândia com a palavrinha mágica fácil de falar, kiitos, não se repetiu ao tentar agradecer  com a impronunciável grega

ευχαριστώ πολύ.

Depois de várias tentativas e nenhum acerto, foi aconselhado a falar thanks.

Todos entenderam.

Provérbios Flamengos (1563) – Pieter Bruegel – Gemäldegalerie/Galeria de Imagens, Berlin, Alemanha


(Publicação original em 17/10/2019)

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