12 de maio de 2024
Memória

ORA (DIREIS) OUVIR OS MORTOS

La Toussaint , Dia de Todos os Santos (1888) – Émile Friant – Museu de Belas Artes de Nancy, França.


Não chegou a  perder os sentidos mas ficou pálida, de espanto, com o nome que apareceu no visor do celular.

De um primo muito querido, falecido há alguns anos.

Naquele átimo entre o toque e o primeiro alô, o pensamento esperançoso, que pudesse ser possível alguns segundos de conversa.

Suficientes para saber as notícias da vida nova e dar as dos que ficaram. Dizer como tudo continua.

E a saudade que é imensa.

A voz da viúva e o mistério da agenda do telefone que não atualizou  o chamador, trazem reflexões profundas.

Religiões orientais acreditam que as almas dos falecidos continuam solidárias com os que ainda vivem a peregrinação neste vale de lágrimas.

Relatos e registros de aparições de anjos e santos fizeram muitos outros santos.

Não é de hoje que as vozes do além são perseguidas.

Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica, previu que um dia, o homem seria capaz de construir uma máquina para falar com os mortos.

No século passado, ganhou força a tese que os espíritos poderiam enviar mensagens por meio de rádios, vitrolas e outros equipamentos,  nas chamadas vozes eletrônicas.

Em tempos modernos, o ciberespaço é o céu e o aplicativo seu médium e cavalo alado.

O que antes era conseguido só com concentração e fé, ao redor de uma mesa branca, está disponível ao toque, no smartphone.

As mensagens trazidas pelas entidades e espíritos de trabalho estão até no Facebook.

As mesmas que confortavam e apascentavam os familiares saudosos são psicografadas, postaras e curtidas. Sempre acompanhadas das melhores fotos.

Uma startup americana, usando elementos de inteligência artificial, construiu, a partir de diálogos arquivados no WhatsApp e Telegram, um canal de comunicação em que o falecido responde a perguntas.   

Através de uma rede neural de processamento de antigas mensagens, a conversa é possível.

É como se a memória de quem não mais existe fisicamente, fosse replicada para um computador, mantendo-a viva e ativa, como se estivesse conservada em cilindro de nitrogênio líquido.

O maior sucesso foi conseguido com a criação do avatar do cantor Prince.

Seus fãs descobriram no app uma chance de manter viva a lembrança do ídolo.

Dias atuais.
Missa de sétimo dia.  Ao término da cerimônia,  nas homenagens da família e amigos, um  celular é aproximado do microfone e todos podem ouvir claramente uma tocante mensagem de conforto, na voz da  pranteada.

“Nossos entes queridos não morreram, apenas ficaram invisíveis aos nossos olhos”.                                                  – Chico Xavier.

La Douleur , A Dor )1898)- Émile Friant – Museu de Belas Artes de Nancy, França

(Texto publicado em 21/9/2019)

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