ORA (DIREIS) OUVIR OS MORTOS
Não chegou a perder os sentidos mas ficou pálida, de espanto, com o nome que apareceu no visor do celular.
De um primo muito querido, falecido há alguns anos.
Naquele átimo entre o toque e o primeiro alô, o pensamento esperançoso, que pudesse ser possível alguns segundos de conversa.
Suficientes para saber as notícias da vida nova e dar as dos que ficaram. Dizer como tudo continua.
E a saudade que é imensa.
A voz da viúva e o mistério da agenda do telefone que não atualizou o chamador, trazem reflexões profundas.
Religiões orientais acreditam que as almas dos falecidos continuam solidárias com os que ainda vivem a peregrinação neste vale de lágrimas.
Relatos e registros de aparições de anjos e santos fizeram muitos outros santos.
Não é de hoje que as vozes do além são perseguidas.
Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica, previu que um dia, o homem seria capaz de construir uma máquina para falar com os mortos.
No século passado, ganhou força a tese que os espíritos poderiam enviar mensagens por meio de rádios, vitrolas e outros equipamentos, nas chamadas vozes eletrônicas.
Em tempos modernos, o ciberespaço é o céu e o aplicativo seu médium e cavalo alado.
O que antes era conseguido só com concentração e fé, ao redor de uma mesa branca, está disponível ao toque, no smartphone.
As mensagens trazidas pelas entidades e espíritos de trabalho estão até no Facebook.
As mesmas que confortavam e apascentavam os familiares saudosos são psicografadas, postaras e curtidas. Sempre acompanhadas das melhores fotos.
Uma startup americana, usando elementos de inteligência artificial, construiu, a partir de diálogos arquivados no WhatsApp e Telegram, um canal de comunicação em que o falecido responde a perguntas.
Através de uma rede neural de processamento de antigas mensagens, a conversa é possível.
É como se a memória de quem não mais existe fisicamente, fosse replicada para um computador, mantendo-a viva e ativa, como se estivesse conservada em cilindro de nitrogênio líquido.
O maior sucesso foi conseguido com a criação do avatar do cantor Prince.
Seus fãs descobriram no app uma chance de manter viva a lembrança do ídolo.
Dias atuais.
Missa de sétimo dia. Ao término da cerimônia, nas homenagens da família e amigos, um celular é aproximado do microfone e todos podem ouvir claramente uma tocante mensagem de conforto, na voz da pranteada.
“Nossos entes queridos não morreram, apenas ficaram invisíveis aos nossos olhos”. – Chico Xavier.
(Texto publicado em 21/9/2019)