9 de maio de 2024
Coronavírus

MARINHEIRO SÓ

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Barco desaparecido (1890) – Souza Pinto – Museu Nacional de Arte Contemporânea (Museu do Chiado), Lisboa


Há dois anos, quando a pandemia fazia as primeiras vítimas, uma correspondência abalou a caixa de
e-mails, sempre abarrotada de apelos promocionais, correntes cibernéticas  e spams.

No clima denso de expectativa  pela chegada do coronavírus, um pedido de socorro,  vindo de muito longe, era mais que inusitado.

Qual uma garrafa com mensagem de náufrago, encontrada no passeio diário pela praia eletrônica, uma aflita solicitação de alguém que estava sendo ameaçado, mas tinha esperança de  receber ajuda.

Não disse como encontrou tão longe do Mar da China Meridional, alguém que pudesse resolver seus problemas.

Muito prá cá de Singapura

Escreveu de Labuan Bajo, uma pequena vila de pescadores localizada na ilha de Flores, na parte leste da Indonésia. Destino de quem visita o parque nacional com atrações únicas, os atemorizantes dragões de Komodo.

A princípio, podia até parecer que a ameaça seria o acometimento da tripulação e passageiros de um navio de cruzeiro,  pela primeira doença global que viralizou, em todos os sentidos.

O relato dramático, que depois de avarias no sistema de navegação, conseguiram chegar  em terra firme, mas aportaram numa  ilhota  em área dominada por piratas modernos.

Daí a pressa no contato.

O capitão da embarcação já havia anunciado que todos os turistas teriam de desembarcar com os pertences, e tomar  outros meios de transporte. O hotel flutuante iria atracar por algumas semanas antes de seguir viagem em segurança.

O problema do agoniado tripulante, em caso de um ataque, eram os documentos e o dinheiro que mantinha no cofre da cabine.

Uma grana preta de 23,4 milhões de dólares (americanos, frisou bem). Dinheiro com procedência. De herança e o que amealhou ao longo de toda uma vida solitária, e de muito trabalho.

Como diretor de operações da embarcação, era impossível sair junto com os passageiros.

Teria do que cuidar até que todos  fossem retirados e os consertos realizados.

No atracadouro, operavam algumas companhias de segurança, mas não confiava nelas.

O país levava fama de altos índices de corrupção.

Aí entrou a conexão brasileira.

Talvez por sua conhecida credibilidade internacional.

Resolveu enviar o dinheiro para ser mantido em guarda ou contas bancárias confiáveis, até que pudesse seguir para os Estados Unidos.

Reconhecia que do destinatário, só sabia do endereço eletrônico, mas confiava nele.                              Não disse por quê.

Confessou a certeza que a vida seguiria mais tranquila para ambos, e que ficasse claro que nunca iria desapontar quem lhe prestasse providencial serviço.

Aprendi deixar a vida me levar e que tudo que acontece tem uma razão.

Não via a hora de tudo se resolver.

Só precisava de alguns dados pessoais para a remessa dos valores através da Diplomatic Secured Security Organization.

Estou sentado à beira-mar esperando sua rápida resposta.

No começo da pandemia, o melhor para o novo amigo, Mr. Leslie Simpson, era guardar  quarentena na paradisíaca ínsula, longe da Covid-19, que aqui desembarcara antes do pedido de refúgio para a  angustiada dinheirama.

Agora, quando  todos os barcos perdidos encontram atracação, voltam as lembranças do apelo de socorro não atendido.

O que terá acontecido ao pobre marinheiro rico?

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À espera dos barcos (1893) – Marquês de Oliveira – Museu Nacional de Arte Contemporânea (Museu do Chiado), Lisboa

(Com alterações, este texto foi publicado em 13/03/2020)

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