MEU DESCONDENADO FAVORITO
Há dois anos, quem concluiu a maratona e chegou ao fim das 1300 páginas eletrônicas do livro de Eduardo Cunha, entendeu a anulação pelo STF, de sua condenação a 16 anos de prisão na Lava Jato.
A última frase justifica a versão dos fatos relatados.
Ninguém é dono da verdade.
Para reservar a posição que ocupará no episódio e merecido destaque, quando a história do início do século XXI for contada sem filtros, o ex-deputado foi longe.
Começou na Proclamação da República, e seguiu em relatos de como ocorreram as mudanças do comando político, com mais densidade, a partir da sua estreia no jogo político.
O esperto político carioca, mestre na manipulação dos pares, com o dom de saber o que todo político precisa para sobreviver, e exímio jogador, especializado em blefes, admitiu a articulação do golpe que o fez, a segunda vítima.
Anunciado desde que a prisão provisória em outubro de 2016 foi se transformando em condenações, o livro Tchau, Querida – O diário do Impeachment, criou enorme expectativa.
Trechos ainda inéditos, ocuparam capas de revistas e foram assunto das colunas mais prestigiadas.
O lançamento com data fatídica, o aniversário da abertura do processo que afastou a ciclista fiscal do poder há cinco anos, com primeira edição de 20.000 exemplares esgotada na pré-venda, foi a prova da ansiedade dos leitores.
A narrativa em ordem cronológica, transformada em peça de defesa no rosário de processos criminais, não conseguiu fazer de quem conduz o fio da estória, herói de romance ambientado no submundo da política.
Não o livrou da imagem que construiu, nem confirmou o título de malvado favorito.
Entre os personagens coadjuvantes, nenhuma descoberta secreta foi revelada.
Que o vice, o principal usufrutuário do processo, articulava o golpe, estava na cara do mordomo.
Que a presidenta deposta caiu por não entender o que se passava em sua volta, até as emas do alvorada já sabiam.
Do arrependimento de Lula na escolha do poste, ninguém nunca duvidou.
Escrito a quatro mãos com a filha Danielle, dois anos depois, deputada federal eleita para o baixo clero do Rio de Janeiro com 75 mil votos, é um roteiro sem fortes emoções que merece agora, uma releitura.
É um livro que não produz lágrimas, nem risos.
Nada acrescenta ao riquíssimo folclore político estrelado por gente mais sabida que astuta.
Quem espera lista de espertezas, decepções e deslealdades, em doses únicas para quem calça 40 e triturado, virou farinha no mesmo saco, não se decepciona.
O estilo literário é de reminiscências a serem transcritas em ata taquigrafada para constar nos anais do parlamento.
Acontecimentos conhecidos, registrados em jornais e mídias sociais, com a opinião pública já tendo feito parte do corpo de jurados e o veredicto acatado pelos juízes, se sucedem nas páginas como se em busca de aceitação como normais.
O epílogo só surpreende até que seja lançada uma segunda edição, revista e ampliada.
A revelação que se estivesse no congresso, seria contra o impeachment de Bolsonaro, caducou.
Com tanto orçamento ultra-secreto, e conhecendo a taba e o valor dos seus índios, há alguma dúvida que Cunha seria a alternativa de Lula à reeleição de Arthur Lira?