2 de maio de 2024
CoronavírusMemória

NOVOS NEGÓCIOS

Mulher assando pão (1854) – Jean-François Millet – Museu de Brou, Bourg-en-Bresse, França


Sete meses depois, a mesma padaria com complexo de restaurante, já não era mais a mesma.

As poucas mesas, marcas no chão  para o distanciamento, frascos de álcool ao lado dos guardanapos e o entre e sai dos mascarados, as diferenças visíveis .

O balcão antes aquecido, sem banho, nem as  tantas Marias que renovavam seu abastecimento.

Cardápio reduzido às receitas na chapa quente e o que fazem as poucas atendentes que não são mais os mesmos rostos conhecidos.

Pela nítida redução da freguesia e frequentadores, rumores de um possível fechamento, como tantas congêneres.

Novos hábitos haviam excluído o café e o bate-papo com amigos. 

Programa solitário, sem o mesmo gosto, alguma contemplação  e muito para comparar ao que era antes.

Será que chegará o tempo de sentir falta e saudade do que a pandemia levou junto com o medo que trouxe?

Na solidão da mesa vazia, sem interlocutor nem eco,  outra ausência e a lembrança da mãe de Miguel.

Gravidez acompanhada desde a primeira saliência da barriga,  em visitas semanais, pela junta que se reunia aos sábados depois da caminhada especial que anunciava o descanso.

As notícias da licença gestante antecipada, o parto sem intercorrências e o bebê saudável, dadas pela colegas de trabalho, mantiveram a ligação.

Na volta ao batente, a alegria do reencontro, os elogios à nova maternidade na vizinhança, e as  fotos do rebento. Sinais da volta à rotina e ao velho normal.

Não se podia pensar em  outro longo período sem atendimento, nem substituta provisória.

Agora, na busca de um novo normal, as perguntas que ninguém haverá de responder e só a imaginação pode ajudar.

Como o jovem casal com filho  programado para ser único a depender da vasectomia prometida pelo cliente-urologista, atravessou o inesperado?

Desempregados, foram somar-se à população dos milhões de invisíveis, vistos nas longas filas do auxílio emergencial?

Mantiveram os sonhos de uma vida mais tranquila, livre dos apertos financeiros?

Quando na curiosidade pelo paradeiro, era esperada a informação do fim do fundo de garantia e auxílio-desemprego, a boa nova, cheia de esperanças.

Ceiça não é de ficar parada.

Juntou tudo que sobrou e tinha e com ajuda da família, montou uma cafeteria.

Não sabemos quantas estórias como esta estão sendo escritas mas a pequena amostra é um alento.

Não há tormenta que dure para sempre.

As pessoas corrigem as rotas e refazem suas vidas, sem terem noção que são as verdadeiras empreendedoras.

O endereço ainda não é encontrado no Google mas Felipe Camarão tem um lugar onde o bom atendimento está garantido.

O Joeirador (1848) – Jean-François Millet – Museu do Louvre, Paris


(Este texto foi publicado em 11/09/2020, quando a Padoca da esquina ainda era chamada de Padaria)

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