4 de maio de 2024
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O BOTO E AS MORTES NA FLORESTA

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O projeto de lei que criminaliza a prescrição de medicamentos sem comprovação científica traz no frontispício, um  sinal cabalístico que explica toda justificação para alterar o caduco código penal brasileiro.

1912

Foi o número que recebeu, carimbado pela burocracia de protocolos e registros.

Cheira a mofo, a esperteza do boto tucuxi que emergiu das águas lamacentas para quinze segundos de respiração e horas intermináveis de exposição aos holofotes.

O senador, empolgado com o poder da presidência da comissão parlamentar de inquérito, já tendo demonstrado desequilíbrio e lerdeza de raciocínio na condução dos trabalhos, como se um reconchudo BBB fosse, precisa de mais polêmica para continuar no jogo, longe  do paredão.

Bem na fita e no conceito dos comentaristas políticos que esquecem seletivamente o passado cristalino e conhecido dos novos paladinos da justiça.

Não bastasse a redução de mais da metade das possibilidades de receituário médico, a proposição é uma agressão à cultura popular,  riquíssima, da região que representa.

A biodiversidade, o maior patrimônio dos povos da floresta, é fonte inesgotável de substâncias para fins terapêuticos.

Catalogadas por estudiosos da medicina popular, isoladas em  laboratórios, viram remédios comercializados pela big pharma, a preços calculados em dólares.

Estima-se que 80% da população mundial, gente que vive das savanas da África aos arranha-céus de Shangai, usem produtos naturais para os cuidados básicas de saúde.

A medicina baseada em evidência, com  pouco mais de vinte anos, tem convivido com a prática tradicional, do exercício profissional dos que observam, trocam experiências e escolhem armas com registro definitivo ou não, para seus arsenais terapêuticos. E assumem suas responsabilidades.

Seria mais que injusta a condenação de um pobre ribeirinho, com a vida afogada nas palafitas dos igarapés, a dias de viagem a remo da cidade, das unidades de saúde e farmácias, por manter em casa uma prateleira com ervas, cascas e infusões que curam feridas e acalmam a alma.

Como seguirá cumpridor da lei, quem acredita nas propriedades da banha do peixe elétrico para tratar dores musculares, inflamação da garganta, torcicolos, nevralgias.

O vizinho, liberto dos grilhões de uma espinhela caída, por ter recomendado o lenitivo, será considerado co-autor de abominável crime?

Se o frasquinho de óleo de copaíba for escondido como droga ilícita, quanto cobrará o traficante-curandeiro para tratar quentura de urina e difruço?

Se o projeto for aprovado, que pelo menos receba uma emenda que suspenda o cumprimento das penas enquanto não forem identificados, julgados e punidos, os autores de delitos em série praticados há algumas décadas.

Quem foi que deixou morrer à míngua ou à espera de remoção aérea, os milhares de amazonenses dos 61 municípios do interior do estado que nunca tiveram direito a um único leito de UTI?

Antes que revoguem as disposições em contrário, senhores senadores, lembrem-se:

Crimes contra a humanidade não prescrevem.

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One thought on “O BOTO E AS MORTES NA FLORESTA

  • Sou antigo, avançado na idade. Acredito na eficiência das mezinhas. Minha mãe Amélia tratava os filhos com chás variados.

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