O BOTO E AS MORTES NA FLORESTA
O projeto de lei que criminaliza a prescrição de medicamentos sem comprovação científica traz no frontispício, um sinal cabalístico que explica toda justificação para alterar o caduco código penal brasileiro.
1912
Foi o número que recebeu, carimbado pela burocracia de protocolos e registros.
Cheira a mofo, a esperteza do boto tucuxi que emergiu das águas lamacentas para quinze segundos de respiração e horas intermináveis de exposição aos holofotes.
O senador, empolgado com o poder da presidência da comissão parlamentar de inquérito, já tendo demonstrado desequilíbrio e lerdeza de raciocínio na condução dos trabalhos, como se um reconchudo BBB fosse, precisa de mais polêmica para continuar no jogo, longe do paredão.
Bem na fita e no conceito dos comentaristas políticos que esquecem seletivamente o passado cristalino e conhecido dos novos paladinos da justiça.
Não bastasse a redução de mais da metade das possibilidades de receituário médico, a proposição é uma agressão à cultura popular, riquíssima, da região que representa.
A biodiversidade, o maior patrimônio dos povos da floresta, é fonte inesgotável de substâncias para fins terapêuticos.
Catalogadas por estudiosos da medicina popular, isoladas em laboratórios, viram remédios comercializados pela big pharma, a preços calculados em dólares.
Estima-se que 80% da população mundial, gente que vive das savanas da África aos arranha-céus de Shangai, usem produtos naturais para os cuidados básicas de saúde.
A medicina baseada em evidência, com pouco mais de vinte anos, tem convivido com a prática tradicional, do exercício profissional dos que observam, trocam experiências e escolhem armas com registro definitivo ou não, para seus arsenais terapêuticos. E assumem suas responsabilidades.
Seria mais que injusta a condenação de um pobre ribeirinho, com a vida afogada nas palafitas dos igarapés, a dias de viagem a remo da cidade, das unidades de saúde e farmácias, por manter em casa uma prateleira com ervas, cascas e infusões que curam feridas e acalmam a alma.
Como seguirá cumpridor da lei, quem acredita nas propriedades da banha do peixe elétrico para tratar dores musculares, inflamação da garganta, torcicolos, nevralgias.
O vizinho, liberto dos grilhões de uma espinhela caída, por ter recomendado o lenitivo, será considerado co-autor de abominável crime?
Se o frasquinho de óleo de copaíba for escondido como droga ilícita, quanto cobrará o traficante-curandeiro para tratar quentura de urina e difruço?
Se o projeto for aprovado, que pelo menos receba uma emenda que suspenda o cumprimento das penas enquanto não forem identificados, julgados e punidos, os autores de delitos em série praticados há algumas décadas.
Quem foi que deixou morrer à míngua ou à espera de remoção aérea, os milhares de amazonenses dos 61 municípios do interior do estado que nunca tiveram direito a um único leito de UTI?
Antes que revoguem as disposições em contrário, senhores senadores, lembrem-se:
Crimes contra a humanidade não prescrevem.
Sou antigo, avançado na idade. Acredito na eficiência das mezinhas. Minha mãe Amélia tratava os filhos com chás variados.