5 de maio de 2024
Jornalismo

O PIX MATOU O LEITOR SOVINA

Extra, Extra (O Jornaleiro) – (1904) – John George Brown – Museu Grohmann, da Escola de Engenharia de Milesukee, Wisconsin

 

Na Sereníssima República de Veneza foram encontrados os vestígios do que seria, séculos depois, a poderosa e onipresente imprensa.

As notícias concisas  cabiam numa folha de papel pergaminhado.

Escritas à mão, eram vendidas ou alugadas.

Pelo preço de um pão, uma moedinha  gazzetta, quem quisesse saber as boas e más novidades do ducato tinha o direito de ler o protojornal, contanto que o devolvesse para outros fiés leitores também fazerem  bom uso.

Não se sabe se as boias das novidades vencidas em dias passados,  tinham o mesmo destino dos seus sucedâneos.

Se embrulhavam os peixes no canto do mangue do  Adriático ou recicláveis,  tinham uso sanitário, item de higiene pessoal.

Como ainda não havia jornais nem jornalões, os calígrafos copiadores eram conhecidos como gazeteiros.

Na hierarquia da imprensa escrita, a categoria foi sendo rebaixada até ser posta fora das redações, para o trabalho insalubre da venda direta ao público.

Na  Tranquilíssima Província do Rio Grande, onde em  cada esquina havia um poeta, em toda rua tinha um jornal, levou muito tempo para as técnicas da fidelização da clientela ganharem força.

Mesmo quando o bipartidarismo midiático triunfou, os periódicos não entravam em acordo.

O líder, atestado pelo Instituto Verificador de Circulação, fazia questão da venda avulsa, por batalhão de frilas, colaboradores independentes.

Antes da invasão bárbara dos flanelinhas, sinais de trânsito foram pontos de venda, respeitada a exclusividade do donatário do pedaço.

Entregador de jornal era profissão, sem nenhum  glamour mas de muita confiança.

O freguês sabia que a leitura diária estaria na caixa do correio na hora certa, antes dos primeiros raios fúlgidos do sol inclemente.

Os microempreendedores volantes investiam em ativos de recebimentos futuros e certos. Lucravam no ágio que recebiam do departamento comercial das empresas e nas gorjetas dos trocos que sobravam da generosidade dos pagadores semanais.

A profissão resistiu ao tempo e às relações formais de trabalho.

Evoluiu dos pregoeiros pedestres, aos entregadores ciclistas.

Deixou pelo menos, um ícone.

Alberis.

A mais completa tradução da atividade.

Ficaram na lembrança, suas manchetes não impressas, de crimes imaginários, sem viúvas assassinas.

Enquanto resistirem os jornais de papel, os gazeteiros estarão em nossas vidas.

Agora anônimos, anunciam com os roncos das motocicletas, que as notícias nem tão fresquinhas, chegaram para completar o café-da-manhã.

Os recalcitrantes leitores não sentem mais o cheiro nem sujam as mãos de tinta, mas  mantêm a tradição.

Gratificação especial em datas comemorativas para quem presta um serviço nem mais tão essencial.

Um singelo presente. Uma doação. Umas festas.

Na Páscoa,  o jejum continua sagrado.

O pequeno envelope solto entre os páginas dobradas, tal apêndice do caderno de editoria econômica, é a cobrança antecipada.

Agora,  à prova de esquecimento ou dificuldade logística na resposta remuneratória.

Depois do distanciamento pandêmico, o gazeteiro passou a sugerir depósito em conta bancária.

E deixa  anotada, a chave do pix.

Uma história difícil (1886) – John George Brown – Museu de Arte da Carolina do Norte

(Publicação original em 01/01/2021)

 

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