8 de maio de 2024
Letras

O TELEFONE (CLONADO) DO VELHO BRAGA

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Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade, na arte de Fernando Lopes, para selos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos


Em março de 1951,
Rubem Braga publicou no Correio da Manhã uma crônica, em forma de carta ao diretor da companhia telefônica.

Estava há dias sem poder usar a genial invenção de Bell. Não o chicleteiro, o Graham.

Recorreu ao regulamento do uso do aparelho e chegou à conclusão que mesmo sem fazer o que se esperava dele, (falar, ouvir e ser informado que o interlocutor estava ocupado, proseando com outrem), o aparelho era excelente professor de humildade.

A leitura do contrato da prestação dos serviços recomendava para toda alma com propensão ao orgulho e à soberba, ao mostrar como os assinantes eram desprezíveis e fracos.

Desfilou cláusulas, sem usar o termo originado nas fábulas de Esopo, leoninas.

Se o infortúnio de um incêndio destruisse a casa toda,  sua esfinge de matéria plástica teria de ser paga.

Nas letrinhas miúdas do contrato descobriu que o aparelho era para uso exclusivo do proprietário, seus familiares e empregados.

Confessou ter perdido velhas amizades por ter recusado a permissão de seu uso, segundo o ­artigo 2 do Regulamento.

Até comedido no palavreado coloquial tornou-se.

Para não correr o risco de ter sua linha desligada pelo uso de palavras obscenas.

Era o que rezava a norma contratual.

O melhor do defeito do telefone do cronista maior, foi revelar seu sonho de um dia receber uma ligação de Rita Hayworth comunicando a morte do príncipe Aga Khan, seu miliardário marido e o convite para gastar com ela a fabulosa herança em Paris.

Falecido três anos antes de chegada das fantásticas engenhocas ao Brasil, o segundo filho mais famoso de Cachoeiro do Itapemirim nunca imaginou o mundo de maravilhas do telemóvel.

Quanta inspiração não teria tido com este troço que insistem em chamar de telefone e que também até fala, o maior cronista (pra não contrariar os machadianos) do século XX.

E antes que acusem o autor deste textículo, de control c/control v,  desfrutem de mais uma das suas delícias.

Drummond vai de quebra.

https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/11524/o-crime-de-plagio-perfeito

             (Texto publicado em 4/1/2020)

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Telefone de lata – Ivan Cruz, artista plástico carioca, contemporâneo 

 

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