2 de maio de 2024
Comportamento

ORDEM AO TRABALHO

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Invejada pelos mais jovens e pelos alpinistas profissionais, a vida de medalhão da Medicina pode até parecer maravilhosa.

Além do conhecimento científico, precisar de constante atualização, viagens a congressos e convites irrecusáveis para aulas, tomam o já espremido tempo do descanso e do lazer em família.

Não era diferente com quem criou fama por transformar um hospital público municipal, com suas dificuldades, em centro de treinamento formador de urologistas e residência médica mais disputada que as dos polos universitários.

Personagem destacado d’O índio cor-de-rosa, a evocação de Orígenes Lessa a Noel Nutels.

O título do capítulo já diz muito: O consultório está chamando…

Como o colega médico, ilustre paciente e indigenista, o rebelde Dr. Henrique Rupp também não atendia aos reclamos da mulher e filhos para deixar um pouco sua aldeia na Clínica Sorocaba, na selva de Botafogo.

Ali era o pajé  a quem recorriam os ricos, famosos, políticos, militares de alta patente. E quem quer que fosse, se achasse poderoso e pudesse pagar a conta.

Seu prestígio era garantido pelos resultados e pela atenção total ao cliente.

Os serviços incluíam disponibilidade todos os dias do ano. E da semana. E não respeitava  sábados e domingos.

O tempo livre era mais produtivo na oficina que instalou no amplo apartamento do Flamengo que nas quadras de tênis da Sociedade Germania.

Não faltavam equipamentos médicos para consertar ou aperfeiçoar. E muita criatividade para transformar em aço toda ideia que melhorasse seu desempenho na sala de cirurgia.

Sempre havia um próximo feriado e muitas promessas nunca pagas, de uns poucos dias de férias.

Planos adiados por culpa de algum paciente requerendo maiores cuidados. Ou muitos, as atenções de sempre.

Nem  o calor do verão, nem a casa no canal de Cabo Frio, nem a lancha ancorada no píer do jardim, eram motivos suficientes para fazê-lo  atravessar a ponte.

Só podia ser o ano bissexto, e a  fase da lua, crescente, para a mulher acreditar no que estava ouvindo.

O próximo fim-de-semana seria especial. Ia dar praia.

Sem outros planos além do dolce far niente, acordou cedo, no horário de trabalho de sempre, para o dia diferente ser ainda mais longo.

Vestiu a melhor roupa pra quem não tem o que fazer e foi assuntar a vizinhança, ver o mundo e pensar nas vidas que cuidava e na que levava.

Lugar melhor não havia pra fazer essas coisas, que  a chaise longue.

Não deu nem tempo de espreguiçar. Antes do primeiro cochilo, de um barco de pescadores transformado em iate de passeio para farofeiros, veio o grito.

E a senha para abreviar o feriado.

Vai trabalhar, vagabundo!

Chico Buarque – ‘Vai trabalhar, Vagabundo’ (C.Buarque, 1976)

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Cabo Frio

           (Postagem original em 29/06/2020)

 

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