1 de maio de 2024
Memória

OS VELHOS ERAM OS OUTROS

A Persistência da Memória (1931) – Salvador Dalí – MoMa, Museu de Arte Moderna, Nova Iorque


Entre tantas pílulas, uma tem sido dourada para ser tomada quando a meia-idade passar.

Apesar de teorias, definições e conceitos,  a velhice é mesmo um estado de espírito, com  data de nascimento incerta.

A primeira aparição ocorre por volta dos sessenta anos quando o rebelde interno teima em não usufruir da legislação e abdica do direito de furar filas e estacionar em vagas reservadas.

Traídos pelos cabelos grisalhos, rugas e pela insistência dos mais jovens em lembrar os privilégios etários, as primeiras vantagens são compulsoriamente  usufruídas.

E entram na rotina e costume.

Logo chegam outras mais sedutoras e esperadas com ansiedade.

Descontos nos cinemas e teatros, gratuidade no transporte público, sempre requeridos com um misto de satisfação (no bolso) e melancólica sensação de não ser privilégio que vá durar.

A chegada da provecta vem sempre acompanhada de sinais, antes que o mais instigante e ululante, apareça.

A bengala e seu  charme que vai evanescendo com o aumento da  curvatura da coluna vertebral.

Uma leitura de jornal e alguma ocorrência com um cidadão tipificado de ancião, a acareação com  os próprios anos vividos a mais que o desafortunado, não deixa dúvida como é visto pelos mais novos.

O que já foi o marco zero da senectude, perdeu a referência, tantas exceções às regras e casos precoces por invalidez.

A aposentadoria, violada pelas necessidades financeiras e adiada ou vilipendiada por  outras atividades mais brandas, deixou de ser parâmetro de tempo.

Os cuidados com o corpo, alimentação saudável e renúncia a alguns hábitos viciantes da juventude, mantêm a vida em movimento, só se rendendo aos indícios de demência que afirmam estudiosos, dobra de intensidade a cada cinco anos, a partir do 65°.

Somente para os que nasceram nos anos cinquenta, uma cruel constatação.

E confidência.

Companheiros, não adianta procurar argumentos.

Nós já chegamos lá.

E se ainda restarem resistências à implacável verdade, comecem a observar o tratamento que recebem dos filhos.

Tentem lembrar como tratavam os pais quando já o consideravam velhos, incapazes de certos afazeres.

Para a geração rock’n’roll, a pandemia deixou outros legados.

A ampliação do conceito do ser idoso, baseada apenas na idade cronológica, da sexta década, e a redução atroz da velhice extrema.

Enquanto não se confirma a polêmica hipótese que estamos em processo evolutivo de seleção natural, aos avós dos anos 2020, o revigorante e mágico elixir para ser tomado em doses cada vez maiores, continua sem prazo de validade.

Netos fazem muito bem à velhice.

 

Velho na Hora do Crepúsculo (1918) – Salvador Dalí – Fundação Gala-Salvador Dalí, Figueres, Espanha

(Texto publicado em 24/09/2020)

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