1 de maio de 2024
Memória

O TELEFONE PLAGIADO

Mona Lisa de Leonardo Da Vinci (1506) e a releitura de Fernando Botero (1978)

Em março de 1951, Rubem Braga publicou no Correio da Manhã uma crônica em forma de carta ao diretor da companhia telefônica.

Estava há dias sem poder usar a genial invenção de Bell. Não o chicleteiro, o Graham.

Recorreu ao regulamento do uso do aparelho e chegou à conclusão que mesmo sem fazer o que se esperava dele, (falar, ouvir e ser informado que o interlocutor estava ocupado, proseando com outrem), o aparelho era excelente professor de humildade.

A leitura do contrato da prestação dos serviços recomendava para toda alma com propensão ao orgulho e à soberba, ao mostrar como os assinantes eram desprezíveis e fracos.

Desfilou cláusulas, sem usar o termo originado nas fábulas de Esopo, leoninas.

Se o infortúnio de um incêndio destruisse a casa toda,  sua esfinge de matéria plástica teria de ser paga.

Nas letrinhas miúdas do contrato, descobriu que o aparelho era para uso exclusivo do proprietário, seus familiares e empregados.

Confessou ter perdido velhas amizades por ter recusado a permissão de seu uso, segundo o artigo 2 do Regulamento.

Até comedido no palavreado coloquial tornou-se.

Para não correr o risco de ter sua linha desligada,  pelo uso de palavras obscenas.

Era o que rezava a norma contratual.

O melhor do defeito do telefone do cronista maior, foi revelar seu sonho de um dia receber uma ligação de Rita Hayworth comunicando a morte do príncipe Aga Khan, seu miliardário marido, e o convite para gastar com ela, a fabulosa herança, em Paris.

Falecido três anos antes de chegada das fantásticas engenhocas ao Brasil, o segundo filho mais famoso de Cachoeiro do Itapemirim nunca imaginou o mundo de maravilhas do telemóvel.

Quanta inspiração não teria tido com este troço que insistem em chamar de telefone e que também até fala, o maior cronista (pra não contrariar os machadianos) do século XX.

E antes que acusem o autor deste textículo, de control c/control v,  neste início de ano, desfrutem de mais uma das suas delícias.

Drummond vai de quebra.

https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/11524/o-crime-de-plagio-perfeito

Dois lavradores – Millet (1854) – Van Gogh (1889)


Publicação original em 04/01/2021

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