4 de maio de 2024
Medicina

PARADA OBRIGATÓRIA

O Doutor (1933) – Joseph Tomanek – Tate Modern, Londres


Das poucas categorias profissionais que não pararam totalmente as atividades durante as fases mais críticas da pandemia, o trabalho  médico sofreu profundas transformações.

Pelo menos para aqueles que antes já tinham atingido o platô e estavam na curva descendente que leva todos à aposentadoria, ao ócio e ao tratamento das próprias doenças, sempre negligenciadas.

O trágico exemplo da Lombardia, replicado em todas as regiões do Brasil foi o principal motivo para as mudanças.

A primeira ideia de recrutar médicos italianos mais experientes, muitos aposentados, para a linha de frente,  transformou-se em desastre.

Os números só não foram mais cruéis porque a ameaça feita pelo Ministro Mandetta  – que haveria recrutamento compulsório – não se viabilizou.

O costume de aposentados do serviço público seguirem  trabalhando por contra própria, ou em subempregos,  foi alcançado, sem misericórdia, pela avalanche.

O que antes era trabalho mais ameno, virou perigo maior.

Algumas especialidades, longevas por natureza, permitem facultativos até depois dos 80.

Clínicos gerais, da familia e psiquiatras, costumam invocar a lei da bicicleta para resistir à compulsória.

Só param quando caem.

Os cirurgiões e áreas afins, sem saber quando chega a idade provecta, deixam o bisturi e outras aparelhagens mais sofisticadas, para se voltarem aos estetoscópios, antes considerados, por eles, obsoletos.

Exposição, comorbidades e equipamentos de proteção individual precários, não foram as únicas causas das perdas tão pranteadas e evitáveis.

Mesmo gozando de boas aposentadorias, estabilidade econômica e aparente vida tranquila, velhos plantonistas, continuaram trabalhando em hospitais e serviços públicos, sem vínculo trabalhista, através de empresas terceirizadas.

Por paradoxal necessidade.

Agora, com o fechamento das estatísticas, no legado dos ausentes, filhos menores, mais novos que os netos.

Novos casamentos, cônjuges jovens e crianças a cuidar e encaminhar na vida, a motivação e o combustível para assumirem tantas responsabilidades  quanto as que se seguiram os cursos de formação, no início da vida profissional.

A persistência nas atividades ainda não responde uma pergunta e angustiante decisão, sempre adiada.

Qual é a hora certa do médico  parar de clinicar?

A Visita do Médico (1662) – Jan Steen – Apsley House, Londres

(Reflexões  sobre texto publicado em 11/09/20)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *