2 de maio de 2024
Memória

PROFECIA OU CAOS

O Jardim de Gethsemane (1570) – Giorgio Vasari – Museu Nacional de Arte Ocidental, Tóquio, Japão


Quando o mundo parou, em todos os lugares as pessoas se recolheram aos seus lares, às suas cavernas e delas
 só saiam para o estritamente necessário.

Para sobreviver. Para caçar o alimento. Para um dia.

Depois, para o outro.

Primeira e única oportunidade que a humanidade teve para zerar a lousa do jogo da vida, passar a régua nos ganhos e perdas e apurar  o saldo.

Certamente, devedor.

Por tudo que se tinha feito do planeta, suas divisões irracionais e crenças que não permitiam para todos,  uma vida boa de se viver.

Ainda se insistia em valorizar o que estava mais que provado, não valer o que sempre aparentou.

A persistência das bolsas de valores abertas e cotações de moedas fortes em tempos de incertezas, foram  patéticas.

Para que valia uma montanha de ações prime ou uma mala cheia de dólares, se não havia armas de combate à venda e se houvesse, quem garantia  sua eficácia?

As cédulas mofariam e não teriam onde gastar. Ou pra onde ir.

Continuaram comprando e vendendo participações em fábricas e empresas, sem produção. Fechadas.

Quem determinava o preço dos combustíveis se os estoques não eram utilizados. Nem vendidos?

Pra que o carro mais tecnológico e novo, se ele, como outro calhambeque também preso na garagem,  iria descarregar a bateria do mesmo modo?

O que seria mais seguro e menos infectante, o painel do elevador high-tech do arranha-céu ou a tramela da porta da casinha humilde?

Quando tudo isso terminasse, pensava-se,  seria dado o devido valor às coisas e ao trabalho.

Quais profissões verdadeiramente importavam.

Quem deveria receber as melhores remunerações, o jornalista que se arrisca, informa e orienta ou o juiz que não tinha mais a quem mandar  prender?

Todos presos aos noticiosos.

Os mais robustos contracheques deveriam ser do enfermeiro  que acodia e cuidava do doente, do médico que expunha sua vida ao perigo tentando tratar doença que nunca estudou ou do político que não tinha mais o que prometer?

A lista das profissões essenciais estaria para sempre na memória de todos.

Quem não parou de plantar, produzir, cuidar, transportar, distribuir, limpar, vigiar.  Quem se dedicava ao essencial.

Os religiosos sabiam que aqueles tempos estavam previstos, claramente, em duras e sinistras palavras.

Isaías.

Vem, povo meu, entra nas tuas casas, e fecha as tuas portas sobre ti; esconde-te só por um momento, até que passe a praga.

Pois eis que o Senhor está saindo do seu lugar para castigar os moradores da terra por causa da sua iniqüidade; e a terra descobrirá o seu sangue, e não encobrirá mais os seus mortos.

Os céticos explicam com a ciência e as leis do universo.

A teoria que uma pequena e quase imperceptível mudança no início de um evento qualquer pode trazer conseqüências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro, parecia estar sendo provada.

O caminho era o caótico.

Um movimento imprevisível de um evento que, de princípio, afetou número reduzidíssimo de pessoas, alastrou-se e atingiu todas as nações.

Tivemos que aprender a analisar fatos e dados em gráficos de figuras geométricas desconcertantes.

Detalhes infinitos e inimagináveis.

Fractais.

Estávamos todos, igualmente assombrados, em frente a uma nova esfinge.

Decifra-me ou devoro-te.

Como ninguém entendeu a verdade, o caos é o destino de todos.

O Profeta Eliseu (1566) – Giorgio Vasari – Galeria degli Uffizi, Florença, Itália

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *