QUANDO CHEGA O TEMPO
Não é só quando a nova lei da previdência adia a aposentadoria por mais alguns anos que você tem certeza que está ficando velho.
É também quando o pensamento foge e o leva para tempos (nem tão melhores assim) que os anos não haverão de trazer de volta. Jamais.
Quando reclama do barulho dos sacos de pipoca nas salas VIPs com poltronas reclináveis e temperatura de agradável a congelante e bate saudade da zuada dos ventiladores do Cine Rio Grande.
Quando se vê xingando o prefeito e a senhora sua mãe pelos buracos nas ruas, esquecendo que já teve orgulho de morar numa cidade que tinha pista. Só uma. De uma única curva.
Ao prometer a si mesmo que o próximo carro vai ter no lugar das câmeras de ré, sistema de visão de 360°, e não tirar dos planos, a compra de um fusquinha original (sem ar, direção nem vidros) para os passeios dos fins-de-semana.
Ao concordar com os protestos contra os erros do Enem e lembrar não ter feito nadica de nada quando todo o vestibular foi anulado.
Por conta de um bizu.
No tempo em que plantavam-se acentos agudos nas oxítonas terminadas em u e i .
Menos nas provas de redação. Que não existiam.
Quando tem de explicar aos mais jovens o que era um bizú.
E como eram corrigidas as provas e o que fazia um perfurador de cartão de respostas.
E recordar que o resultado era divulgado, na marca da exclusividade, na voz pausada e torturante dos locutores da Rádio Cabugi.
E que os jornais do dia seguinte eram disputados às tapas.
Que era de bom tom e alvitre, presentear com a página da classificação do aprovado, toda a parentela. Até o terceiro grau.
Quando o professor exigia boa apresentação dos alunos e incluía barba feita.
Quando uma bata desabotoada era motivo de reprimenda.
–Paramente-se, meu jovem.
Quando não cansa de repetir para os aprendizes como era eficiente a Medicina de outrora e confessa que foi testemunha da chegada dos primeiros aparelhos de ultrassom.
E que fazia todo tipo de cirurgia sem reservas de leitos de UTI.
Pela simples e absoluta inexistência deles. A não ser no Recife. Como todas as outras modernidades e tecnologias. E cobril.
E principalmente, quando se emudece e chora pra dentro com uma simples e inocente pergunta do neto de quatro anos, olhando para suas veias salientes e o pergaminho da pele das mãos:
–Vovô, por que você ficou velho?