2 de maio de 2024
Opinião

“Quanto vale uma vida?” – Artigo de Carlos Emerenciano

Família de Moise se mudou para o Brasil em busca de paz
Por Carlos Emerenciano Arquiteto e Advogado

Segundo Laurentino Gomes, “ao longo de mais de 350 anos, entre 23 e 24 milhões de seres humanos teriam sido arrancados de suas famílias e comunidades em todo o continente africano e lançados nas engrenagens do tráfico negreiro”.

Desse contingente, “quase a metade, entre 11 e 12 milhões de pessoas, teria morrido antes mesmo de sair da África”.

Continua o autor: “hoje estima-se com relativa segurança que aproximadamente 12,5 milhões de cativos foram despachados nos porões dos navios, mas só 10,7 milhões chegaram aos portos do continente americano”.

Os corpos dos mortos eram lançados ao mar, o que levou, ao longo de três séculos, peixes e tubarões a mudarem as suas rotas, transformando o Oceano Atlântico numa enorme carnificina, cemitério de homens e mulheres negros.

O sofrimento, porém, não se encerrava aí. Dos 10,7 milhões de africanos que desembarcaram no continente americano, apenas 9 milhões sobreviveram aos 3 primeiros anos.

Nesse contexto de escravidão e degradação da vida humana, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravatura. E essa abolição não significou a emancipação desses brasileiros, descendentes de africanos que foram arrancados de suas terras.

A família de Moïse chegou ao Brasil imaginando realidade diferente. Ele, a mãe e os irmãos chegaram ao nosso país como refugiados políticos, fugindo da fome e da guerra no seu país de origem, a República Democrática do Congo.

Mais de mil congoleses vivem entre nós nesta situação.

Moïse desembarcou no Rio de Janeiro ainda adolescente. Já havia incorporado nossos hábitos. Torcedor do Flamengo, gostava de colecionar camisas do clube. Tinha sonhos, naturais de qualquer pessoa. Parara temporariamente de estudar para ajudar financeiramente a família. Realidade nada diferente da de milhões de jovens brasileiros.

Moïse encontrou a morte de forma brutal. Não há mais escravidão institucionalizada no Brasil, mas espancaram o jovem congolês de 24 anos, com porretes e tacos de beisebol e o amarraram. O jovem não resistiu à tanta selvageria. Tudo isso em um quiosque de frente para o mesmo mar, túmulo durante séculos de tantos negros como Moïse.

Além de tudo (a família de Moïse está naturalmente amedrontada), ainda querem matar a alma do rapaz, trucidar com a sua memória. Um representante do governo brasileiro, em gesto espúrio, afirmou que o jovem congolês era “mais um vagabundo morto por outros vagabundos”. Até agora, esse cidadão indigno continua ocupando o seu cargo e não sofreu nenhuma sanção.

Poderia citar outros casos e números, mas Moïse nos basta. Elza Soares, a voz do milênio, popularizou uma canção de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Capelletti, na qual vocalizava em tom de protesto: “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.

Até quando?

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