REENCONTROS PRESENTES
Tão logo surgiram as vacinas, o grupo mais prioritário (e velho), passou a fazer planos para quando a imunidade chegasse.
Onze entre dez avós, nas entrevistas-relâmpago de TV, revelavam, entre desejos, a mesma intenção.
O abraço dos netos era o que primeiro vinha às cabeças grisalhas quando perguntadas o que fariam depois que se livrassem dos grilhões do isolamento sócio-familiar.
Depois da segunda dose, os mais precavidos ainda esperam o tempo estipulado pelos fabricantes, para a volta ao convívio de antes, sem medo nem traumas.
No reencontro das gerações, uma tese elaborada na solidão da sociologia pandêmica, logo perdeu sustentação.
Entre avós e netos não havia espaço para o novo normal.
Nada seria diferente do que um dia foi.
Logo estavam de volta todas as prerrogativas e direitos bilaterais, incluídas as sessões vespertinas de Netflix Kids, torneios de Brawl Stars e as rotineiras prorrogações das visitas, encerradas somente depois da engordante massa pan da Pizza Hut.
Era hora também de se calcular e compensar as perdas de quem já não contava com muito tempo restante.
Ao convívio interrompido foi auditado e acrescido o tempo que restava, cada vez mais curto, com término já avistado no horizonte, no poente da vida.
Que fosse prevista e descontada também, a quase certa chegada do implacável doutor alemão, o que tornava a providência ainda mais premente.
Negociado, o reencontro assegurou aos nipotes o direito a compensações.
Ouvidos e detectados os prejuízos dos pequenos por faltas em datas promocionais do comércio, os nonnos reconheceram que havia presentes em atraso.
Neste retorno, haveria de se ter cuidado com o acerto na escolha do que poderia surpreender o presenteado.
E evitar o ocorrido com o avô, metido a gaiato, quando resolveu provocar, de mentirinha, às vésperas do quarto aniversário do segundo neto (numerado com orgulho, como todos os avós fazem), com a promessa de um pijama com desenho de carneirinhos, que só serviu para disparar de volta e de pronto, a ameaça fulminante:
– Se fizer isso, nunca mais venho chupar jabuticaba com você.
Ao vovô-bobão, não restou outra alternativa a não ser pesquisar se a Caixa Econômica financiava Castelos do Aquaman.
(O texto, publicado em 27/03/2022, faz parte do livro Aprendiz de Avô)