26 de abril de 2024
ComportamentoFamilia

NO CANTO DOS INOCENTES

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De três não passam mais.

No planejamento familiar dos nubentes hodiernos, a contagem dos filhos termina no primeiro par.

Raríssimos são os que arriscam  tentativas de desempate, quando o casal almejado vira parelha.

Por mais abordagem psicológica e preparo,  a chegada do irmãozinho nunca vem sem despertar a ciumeira no reizinho do pedaço.

O fenômeno é mais observado nas cortes onde só varões assumem os tronos, dizem.

O anúncio da novidade, o crescimento na barriga, os pontapés sentidos. Nada se compara com a chegada daquele embrulho que passa de mão em mão.

Com o cuidado que o atento observador não lembra ter sido merecedor.

Bem que já havia a desconfiança que estavam aprontando alguma.

Começaram a conversar muito sobre um certo alguém que iria ficar com tudo que já não usava mais.

Que teria de dividir  a casa, o quarto e os braços da mãe.

Os brinquedos que já enjoava  e os que ainda viria a ganhar.

Estava explicado porque resolveram, passaria parte do tempo, separado, sem a atenção de sempre.

A creche fazia parte do plano urdido. Quem já viu, terceirizar um filho?

Também dá pra notar que os avós, tão devotados e exclusivos, concordam com a traição. Entram no jogo e não mudam de tática.

Imprevisíveis, as reações de quem se achou preterido dos direitos adquiridos.

Incrível, como dissimulados, argumentam ao explicar as reações e como querem solucionar o maior problema que já apareceu na curta e até então, maravilhosa vida.

Quando a mãe deixou os dois sozinhos, o escanteado resolveu cuidar do recém-nascido, como todos vinham fazendo.

Uma chuveirada de areia, com direito a esfoliação dérmica, foi explicada candidamente:

–Você não disse que ele era meu? Estou brincando de dar banho.

Ao ser apanhado na saída do jardim da infância, o menor enjeitado foi logo perguntando à ré, acusada de abandono de vulnerável:

–O menino já morreu?

De pouco adianta redobrar as atenções pra quem se sente e foi preterido.

Eles percebem.

E até em brincadeira de fazer desaparecer objetos, procuram um jeito de se livrar da concorrência.

Ao avô-ilusionista-prestidigitador, a inocente pergunta:

Você sabe mágica pra desaparecer bebê chorão?

O enciumado não se sente ameaçado somente pelos seres de quatro patas que um dia haverão de aprender a andar sobre duas.

No campo adversário, na casa da outra, a avó ficou sabendo que a cadelinha, rainha do lar e do ninho vazio, despertava os instintos mais primitivos do pequeno buda.

O convite para cumplicidade em hediondo crime, nunca podia ter partido daquela vozinha sussurrada pelo fedelho de três anos incompletos:

–Vovó, vamos matar Kika?

         (Publicação original em 20/07/‘2020)

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