26 de abril de 2024
Opinião

O semeador de esperanças

  agriculture

Por Carlos Eduardo Emerenciano – Advogado e Arquiteto 

“A vida é um sopro”. Oscar Niemeyer, arquiteto brasileiro de reconhecimento internacional, gostava de repetir essa frase à exaustão. Contamos os minutos, horas, dias, mas o tempo é inexorável, senhor dos nossos destinos. E passa rápido.

Há outro aspecto que torna a passagem do tempo ainda mais implacável: o esquecimento. Não conseguimos encadear fatos passados com exatidão. As lacunas se acumulam e as emoções vividas empalidecem. Se não cultuarmos a memória, o tempo transforma eventos marcantes em pálidas lembranças. Marcel Proust, autor do clássico “Em Busca do Tempo Perdido” definia o despertar da memória como um antídoto contra a passagem do tempo.

A partir da sentença do genial escritor francês, volto-me agora, na passagem de cem anos de seu nascimento, para a vida de Aluízio Alves que tanto marcou e se confunde com a própria história de sua terra.

Em 11 de agosto de 1921, Aluízio Alves nasceu na cidade de Angicos, encrustada no sertão do Rio Grande do Norte. É uma região seca, pedregosa, caracterizada por um sol causticante.

Fico imaginando o cenário, as pessoas e o cotidiano de sua infância que influenciaram Aluízio. Certamente uma vida muito simples. Podemos encontrar essa ambiência do sertão, principalmente daquela época, em romances como “A Bagaceira” de José Américo de Almeida; “O Quinze” de Rachel de Queiroz; e “Vidas Secas” e “São Bernardo” de Graciliano Ramos. Uma região árida caracterizada pela escassez de água e por um povo batalhador e resistente. Nas palavras icônicas de Euclides da Cunha, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.

Como foi o despertar da inteligência de Aluízio Alves, do seu interesse pela leitura, pelo jornalismo e pela política? O meu avô Garibaldi, irmão de Aluízio, sempre me falou que se tratava de uma criança diferenciada, com uma curiosidade aguçada e inquieta associada a uma inteligência incomum. Desde muito cedo, era atento às causas comuns de sua gente. Aos 10 anos, utilizando as dependências do comércio do seu pai, escreveu, diagramou, publicou e distribuiu um jornal de um único exemplar, O Clarim, que circulava de mão em mão na pequena Angicos.

Adolescente, foi estudar em Natal e logo envolveu-se nas atividades do Partido Popular no Rio Grande do Norte, presidido pelo ex-governador José Augusto Bezerra de Medeiros e que contava com a participação de expoentes como o jornalista, político e escritor Eloy de Souza, um estudioso dos problemas do sertão, sempre tão castigado pela seca; e o ex-governador Juvenal Lamartine, que havia sido deposto pela Revolução de 1930.

Na dedicatória do seu livro Angicos, publicado quando tinha 18 anos, Aluízio deixa evidenciadas marcas de sua personalidade: a relação afetiva com sua família e o sentimento de gratidão a quem o apoiou. Escreveu: “aos meus pais e irmãos, grande afeição” e “aos drs. José Augusto, Eloy de Souza e Câmara Cascudo, mestres e amigos, minha homenagem”. O velho jornalista, político e escritor Eloy de Souza fez o prefácio da obra, no qual ressalta: “há, aliás, nesse seu paciente labor, mais uma afirmação do seu caráter que foi sempre um feitio por mim assinalado desde o nosso primeiro contacto nas lides de “A Razão””.

A vocação que ali desabrochava, reconhecida por homens talentosos como Eloy de Souza e José Augusto, consolidou-se com o tempo e ultrapassou todas as expectativas. Aluízio, juntamente com o Dr. José Augusto, foram os deputados federais eleitos pela UDN no RN em 1945 (quando tinha apenas 24 anos). De todos os talentos que aquela mente inquieta despertava, talvez o de escritor tenha sido sublimado. Em todos os demais, jornalista, político, empreendedor, líder nato de sua gente, Aluízio Alves realizou-se plenamente.

Em 1960, após 4 mandatos de deputado federal, Aluízio candidatou-se ao governo do Rio Grande do Norte e venceu a eleição em campanha memorável. Talvez recordando as lutas de outro angicano, José da Penha, sobre quem escreveu em 1975, “A primeira campanha popular do Rio Grande do Norte”, contando a luta política daquele conterrâneo que ousou desafiar no começo do século passado a oligarquia Albuquerque Maranhão, do líder Pedro Velho e do seu irmão, o então jovem e atuante governador Alberto Maranhão.

Aluízio desafiou a estrutura de governo então vigente e foi além, tal qual tentou o Capitão José da Penha em outro momento da história. O que os distinguiu? Aluízio Alves, político hábil, grande orador popular, conseguiu montar uma ampla frente de apoio à sua candidatura que denominou de “Cruzada da Esperança”, superando os obstáculos e tornando-se governador do estado, em campanha com intensa mobilização popular (algo incomum à época) e utilização dos meios de comunicação como o rádio e o jornal.

A sua administração (1961/1966) foi transformadora e até hoje é objeto de estudos. Marco num estado de povo pobre e com diversas carências estruturais. Falar de suas realizações me fariam exceder o espaço de um artigo, portanto quero me restringir a alguns aspectos: 1. em um dos trechos de um discurso de campanha, Aluízio ressaltou “que buscava o voto da maior parte, para governar para todos”. Visão moderna que está inclusive à frente do que infelizmente constatamos hoje, quando o governo central volta-se cada vez mais para o seu cercadinho; 2. numa época marcada por intenso conflito ideológico e tensão geopolítica, Aluízio Alves conseguiu financiar um projeto educacional de alfabetização a partir de elementos cotidianos e conscientização, desenvolvido pelo educador Paulo Freire, com recursos norte-americanos do programa “Aliança para o Progresso”.

Ou seja, conseguiu dinheiro do centro do capitalismo para financiar um projeto erroneamente rotulado de esquerda, porém evidentemente transformador; e 3. Aluízio reestruturou o governo para atender as variadas carências do seu estado. E nisso, aparece o homem que busca alcançar o futuro sem perder os laços com o passado. No campo cultural, criou 3 estruturas: a Fundação José Augusto, o Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine e a Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza. Mostrando, como dizia Isaac Newton, que enxergava mais longe “por estar sobre os ombros de gigantes”. Aluízio assim expressou a sua gratidão a expoentes da política do estado que o antecederam.

Essas são apenas algumas passagens de um homem que marcou o seu tempo e sua terra. Poderia me voltar para a sua atuação na política nacional, tanto como político, quanto como jornalista.

Aluízio era um homem realizador de sonhos. Como ministro da Administração do presidente José Sarney (1985/1989) pôde criar a Escola Nacional da Administração Pública (ENAP), até hoje referência na formação de servidores públicos federais. Convocado por Itamar Franco (1992/1994) para ser ministro da Integração Regional, retirou da gaveta e refez o projeto de Transposição do Rio São Francisco.

Talvez essa tenha sido a última grande luta pública desse grande realizador de sonhos coletivos, um homem obstinado, com visão política diferenciada, que pôde no seu “sopro de vida” ser um verdadeiro semeador de esperanças, um gigante cujos ombros estão prontos para que possamos enxergar bem mais longe.

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