UMA TRISTE RESENHA DE NATAL
Não foi desta vez, que a paz voltou ao seio e corações das famílias.
As feridas que sangravam há um ano, ainda estão longe da cicatrização.
Daqui a algum tempo, quando os sites de relacionamento estiverem lembrando as fotos das festas deste ano, é que as ausências serão sentidas.
De quem justificou a falta por motivo sabidamente inexplicável, ou se presente, não quis dividir o mesmo espaço no álbum de recordações.
Não fosse tão rápido em seu trenó, o bom velhinho teria perdido o lugar que ocupa há séculos, para um vilão verde e asqueroso.
Grinch e seu espírito desmancha-prazer foram sentidos por toda a parte.
Não se sabe ainda ao certo como ele entrou em tantos lares.
Pelas chaminés, é que não foi.
Quase não as temos, em nossas casas semi-áridas.
Há quem considere que o motivo para tanta comemoração foi desvirtuado.
Muito comercial.
Muita hipocrisia.
Os mais pragmáticos reclamam da rotina, que piora, do trânsito caótico, do sorvedouro de dinheiro e do estresse pra resolver tanta coisa, na última hora.
Há quem ache tudo que os outros adoram, de extremo mau gosto.
Só não conseguiram convencer disso, as crianças.
O conforto é que os Ebenezer Scrooges sempre estarão recebendo a visita sazonal dos seus fantasmas.
De um dos três, ninguém se livra. Do que visita o passado, trazendo lembranças felizes. Pelo menos, da noite que se repete todos os anos.
Do que continua, sem levar em conta as curvas da tortuosa estrada da vida, a preservar o sentimento, passado adiante, a quem tem muito caminho ainda a percorrer.
E do que mostra, em pesadelo, que o tempo avança, sem paradas nem recuos. Que a oportunidade perdida, não volta. E que o fim pode ser solitário e cruel.
Enquanto as divergências políticas continuarem a expor as fragilidades familiares, o inferno serão os outros.
E o Natal, saudade.
***
(A Organização Mundial da Saúde só declarou “estado de pandemia” em 20/03/2020, três meses depois da publicação original deste texto, quando começaram novas desavenças familiares).