12 de maio de 2024
Memória

41 VEZES DIEGO

A imprensa, ampliada em portais, blogs e mídias sociais é cada vez mais, movida a novidades instantâneas.

Os assuntos que ocupam espaços no noticiário são sucessivamente substituídos por outros mais recentes e empolgantes.

Não há a próxima edição. Nem a do  dia seguinte.

Uma catástrofe em remoto país do oriente não recebe tanto destaque como um poste derrubado na esquina, com sua maior consequência, as horas do quarteirão sem luz.

A barbárie do espancamento até a morte de um pobre homem de cor negra por dois guardas de segurança, pardos e pobres, já não ocupava as primeiras páginas quando aconteceu o maior desastre rodoviário do ano 2020.

No mesmo dia, a notícia do falecimento do ídolo do futebol passou a monopolizar as breaking news.

A morte por causas naturais de quem, aos 60 anos, convalescia de delicada cirurgia cerebral, causou mais impacto.

Plantão de notícias e miríade de testemunhos.

Comoção além das fronteiras e das rivalidades esportivas.

Na tragédia, como sempre acontece, a procura por responsáveis era certa. Descobre-se sempre a falta de algum alvará ou licença e alguem para ser responsabilizado.

Falha humana.

Falha mecânica.

Falha de freios.

Falha do destino.

O ônibus transportava operários de uma fábrica a vinte quilômetros das suas  moradias.

Não tinha autorização para o tipo de transporte.

Não tinha contratantes.

O serviço, totalmente informal, era acertado entre o motorista e os passageiros. Pagamento mensal, um dia depois do recebimento dos holerites.

Pouco se sabia das estórias dos anônimos.

Pelo pranto nos flashes das TVs, famílias foram  atingidas.

Mãe e filha. Namorados. Crianças, a serem criadas pelos avós.

Na maioria, jovens.

Muitos, no primeiro emprego, antecipado pela ociosidade das aulas suspensas pela pandemia e a vontade de progredir na vida.

Quantos já não tinham aprendido que o estudo poderia reservar, no futuro, vagas em transportes mais seguros?

Conversas sobre o futebol, interrompidas bruscamente, talvez pelo craque do time de várzea, sonhando, um dia, um jogo no timão. Ou glória a ser alcançada muito longe dali, em Napoli ou Barcelona.

Itaí e seus 27 mil habitantes jamais esquecerão o dia que o resto do país, em pouco tempo já não lembraria quando e onde aconteceu.

Não havia mais esperanças que entre os 41 do enterro coletivo, estivesse em formação, outro filho ilustre da terra, digno de honrarias.

Uma outra Anésia Pinheiro Machado, a primeira brasileira a pilotar um avião em vôo solo.

Ou famosa atriz que não surgiu na cidade desde que a dublê de aviadora também fazia sucesso, no cinema mudo.

Ou um gramático  tão dedicado quanto o Prof. Napoleão Mendes de Almeida, para continuar tirando as dúvidas das questões vernaculares.

Mistérios da vida.

Finita.

Imortal.


(Publicação original em 28/11/2020)

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