30 de abril de 2024
Memória

A VELHA SENHORA SEMPRE A MANDAR NOTÍCIAS

 

A morte de Sócrates (1787)- Jacques-Louis David – Museu Metropolitana de Arte, MoMa, Nova Iorque


Quem tem arritmia cardíaca, tem todos os órgãos, inclusive os mais escondidos, e medo.

A qualquer momento, ela pode surgir, e a primeira certeza vem junto: todos nós vamos parar muito antes que o mundo, e todo mundo, parem.

Quando aparece, do nada, depois de uma noite mal dormida, raiva apelidada de estresse, ou carraspana, é  tempo de pensar como será o episódio mais importante das nossas vidas.

Aquele que não deixará lembranças, nem será contado a ninguém.

Pelo menos pelo protagonista.

Quem não gostaria de  saber como será a visita da velha senhora?

Quem teve  este privilégio, e escapou   por pouco ainda pode narrar a história como foi a estória toda.

De repente, caído no meio da sala.

Branco, como nunca foi.

A colaboradora doméstica com mais de vinte anos de convivência,  já encomendava  a alma patronal.

A consorte, médica, entregou o jogo nos minutos finais, aos 66 anos do segundo tempo, sem ao menos tentar a boca a boca salvadora.

E o viajante incidental ficou sem seu último beijo.

Os anjos de luz não faltaram. Foram rápidos. Atenderam as preces do 0-800 de emergência e vieram nas asas da ambulância, comandados pelo arcanjo Ariano.

Depois de virado, puncionado, tomografado e revirado, a saída do nosocômio com um daqueles diagnósticos pré-pandêmicos, tipo virose e uma certeza: o ensaio geral foi perfeito.

Nada a modificar.

Agora,  é esperar que o Grande Teatro da Vida esteja muito movimentado e só abra pauta para o monólogo em espetáculo solo, daqui a uns bons vinte e tantos anos.

O curto discurso já pronto, não será esquecido para ser repetido na estréia:

Merda!

A Morte de Marat – Jacques-Louis David (1793)- Museu dos Mestres Antigos, Bruxelas, Bélgica

(Texto original publicado em 8/11/19)

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