A VELHA SENHORA SEMPRE A MANDAR NOTÍCIAS
Quem tem arritmia cardíaca, tem todos os órgãos, inclusive os mais escondidos, e medo.
A qualquer momento, ela pode surgir, e a primeira certeza vem junto: todos nós vamos parar muito antes que o mundo, e todo mundo, parem.
Quando aparece, do nada, depois de uma noite mal dormida, raiva apelidada de estresse, ou carraspana, é tempo de pensar como será o episódio mais importante das nossas vidas.
Aquele que não deixará lembranças, nem será contado a ninguém.
Pelo menos pelo protagonista.
Quem não gostaria de saber como será a visita da velha senhora?
Quem teve este privilégio, e escapou por pouco ainda pode narrar a história como foi a estória toda.
De repente, caído no meio da sala.
Branco, como nunca foi.
A colaboradora doméstica com mais de vinte anos de convivência, já encomendava a alma patronal.
A consorte, médica, entregou o jogo nos minutos finais, aos 66 anos do segundo tempo, sem ao menos tentar a boca a boca salvadora.
E o viajante incidental ficou sem seu último beijo.
Os anjos de luz não faltaram. Foram rápidos. Atenderam as preces do 0-800 de emergência e vieram nas asas da ambulância, comandados pelo arcanjo Ariano.
Depois de virado, puncionado, tomografado e revirado, a saída do nosocômio com um daqueles diagnósticos pré-pandêmicos, tipo virose e uma certeza: o ensaio geral foi perfeito.
Nada a modificar.
Agora, é esperar que o Grande Teatro da Vida esteja muito movimentado e só abra pauta para o monólogo em espetáculo solo, daqui a uns bons vinte e tantos anos.
O curto discurso já pronto, não será esquecido para ser repetido na estréia:
–Merda!
(Texto original publicado em 8/11/19)