CEGUEIRA PATERNA
Quando a verdade é muito dura para ser aceita, o pensamento fantástico dá as caras.
A Medicina tem um pacto com a Fé e cada um ocupa e respeita seus espaços.
Território de clima sempre tenso e palco de dramas pessoais e familiares, os hospitais de urgência são fontes inesgotáveis de estórias.
Dramáticas.
Fantásticas.
Patéticas.
Há sempre uma reclamação pelos modos e maneiras de se dar uma notícia a quem não está preparado para recebê-la.
As revelações de certos diagnósticos e prognósticos quase sempre deixam cicatrizes.
Que vão virar queloides.
Paciente atendido em hospital que trata exclusivamente câncer, e o acompanhante falar baixinho para o médico, como a pedir leitura labial, para que não seja pronunciada aquela palavra na frente do doente, é a regra.
Em prontos-socorros as comunicações são tão traumáticas quanto as lesões tratadas.
E quando ocorrem os infortúnios, a tarefa é delegada.
À psicóloga, quando tem.
Assistente social, quando está.
Ao agente funerário, sempre alerta.
Ninguém é bom em dar notícia ruim.
Cirurgiões mesmo os de tarimba e vasta experiência têm cada um, sua coleção de casos que nunca esquecerão.
Podem até explicar, ainda paramentados e com respingos de sangue no avental, que tudo foi feito, mas infelizmente ...
Preferem lembrar dos que sobreviveram por um pequeno e milagroso detalhe.
E perícia profissional.
O projétil passou a milímetros da medula espinhal…
Se não fosse o celular no bolso esquerdo da camisa…
Quando chegou, a sala de cirurgia estava livre, preparada e a equipe também…
Tivesse demorado mais cinco minutos, com aquela veia perfurada, não sei o que teria ocorrido…
A volta de uma cirurgia na emergência é sempre de muita tensão pra quem espera.
E o momento de receber e dar explicações.
A cena se repete.
Interessados, amigos e parentes, na porta, querendo saber o desfecho.
Depois, os detalhes.
Daquela vez, um caso fora da rotina da violência urbana, do trânsito e das agressões interpessoais.
Inusitado.
E de constrangedor relato, pelo achado na operação.
O pai ao ser informado que a causa da obstrução intestinal, um pedaço de cabo de vassoura, permaneceu calado e pensativo por alguns instantes.
Para romper o silêncio, apresentando sua hipótese esclarecedora da etiologia, via de entrada e reputação familiar.
–Doutor, meu filho tem mania de mastigar palitos de fósforo. Será que eles cresceram no intestino?
O retrato nu de uma mulher agachada, escondido sob a superfície da obra “A refeição de um homem cego”, foi revelado usando inteligência artificial, tecnologia de imagem avançada e impressão 3D, pela empresa Oxia Palus, em outubro de 2021
(Estória contada neste Território Livre em 24/07/2019)