9 de maio de 2024
Coronavírus

DIAS DE SONHOS

75B84253-AAB7-4926-8D40-C42259AE7367

(Publicação original em 23/04/2019)

Para quem esperava que a vida pudesse mudar num passe de mágica, na sorte grande de um polpudo prêmio, a reviravolta depois da pandemia faz do mundo uma imensa loteria.

Sem bilhete premiado.

Sonhar com uma vida diferente, nunca fez mal.

Viver uma vida diferente, para prolongá-la, é um pesadelo de olhos abertos.

Sem cheiro, sem gosto.

Sem paz.

Do sonho mau, só se acorda  pela esperança do recomeço em tempos melhores

                BILHETE QUASE PREMIADO

Final de expediente de uma sexta-feira. Quase noite.

Depois do último paciente, um toque discreto na porta.

Pedindo desculpas, entra um senhor idoso, magro e baixinho. Aparência frágil. Óculos fundo de garrafa e uma pasta surrada debaixo do braço.

Parecia pessoa muito educada e de respeito.

Esperou que todos saíssem porque tinha um assunto do meu interesse a tratar.

Havia perguntado à secretária de quem era o único carro que restava no estacionamento.

Tinha chegado atrasado para vender uns bilhetes da loteria a um colega de clínica, seu freguês de longa data.

De saída, percebeu a tremenda coincidência: os números da última série de bilhetes que restava vender eram os mesmos da placa do meu carro. Voltou para me encontrar.

Mesmo sem nunca ter ido além de uma fezinha na Mega-Sena, fui me interessando pela conversa.

Mais ainda quando o distinto senhor começou a contar como os maiores prêmios vendidos por ele, tinham sempre um detalhe parecido.

E o surpreendente número de colegas, a maioria conhecidos meus  que já haviam embolsado grandes somas.

Convencido pelos argumentos e pela própria ambição, comprei tudo: dezena, centena e milhar.

Sonhei ainda uma noite com a bolada que já contava certa e fiz planos como gastar e investir.

Numerologia é mesmo um mistério fascinante.

Por pura sorte, de verdade, no dia seguinte encontro o colega “freguês” do cambista.

Para minha surpresa, ele nunca havia arriscado um tostão sequer no jogo nem tinha a menor noção de quem era o vendedor de sonhos.

A sorte estava vindo em dose dupla: o valor da compra foi tão alto que não pude pagar em espécie.  Passei um cheque.

Salvo pelo fim de semana. Pude sustá-lo na abertura do expediente bancário.

Ainda faltavam alguns dias para o sorteio e não recebi reclamação pelos voador.

Os bilhetes continuavam comigo. Válidos e concorrendo.

Na data da apuração conferi os números  e fiquei aliviado por não ter sido sorteado.

Aquele prêmio teria sido meu, por direito?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *