DUAS VEZES CINCO
Quando caiu a ficha que a pandemia não seria contida com medidas curativas, nem pela abertura de leitos para doentes críticos, as esperanças do mundo já estavam voltadas para os países mais ricos.
A única solução seria a vacina.
Que custava muito dinheiro, tecnologia, tempo e ainda precisava testar eficácia e segurança.
Daquela vez, não seria coisa de rico. Exclusiva para os afortunados.
O que saísse das mesas e bancadas de pesquisas dos barões miliardários, teria de chegar aos lares e casebres dos aldeões mais humildes.
De pouco adiantaria se as nações mais pobres não fossem também imunizadas.
O imenso mar azul era um só e tudo estava conectado.
A corrente com elos perdidos não conseguia remover a pedra do meio do caminho onde passavam fariseus e publicanos.
As ondas de contaminação eram como as do mar.
Não paravam de quebrar numa praia só porque em outras poderia avançar sem resistência.
O interesse humanitário e a oportunidade de mais lucros, haviam sido despertados pelas maiores empresas do mundo.
Logo, um consórcio estava formado com bençãos e participação da Organização Mundial da Saúde.
Reunidas, as Big Five, as maiores empresas de tecnologia, com aparelhos Apple, sistemas Microsoft, onisciência Google, onipresença Facebook e logística Amazon, formaram um dream team como nunca visto antes neste planeta.
Um clubinho que vale mais de 3 trilhões. De dólares.
Sentados nesta montanha de dinheiro, os mais sábios cientistas não abreviaram a longa espera.
Foram dias, semanas e meses, compridos como jamais imaginados.
O pesadelo que seria despertado pelo apito da gigante farmacêutica americana, não deixava de amedrontar quem não podia manter a jóia preciosa à temperatura de 70 graus abaixo de zero.
A sequência de peças caídas no terrível dominó e o efeito mosqueteiro de todos por todos, fez emergir, de onde menos se esperava, as respostas práticas e viáveis.
Agora, eram outros, os five.
Do grupo dos cinco países com economias e mercados emergentes, vieram as soluções. E os novos problemas.
Dos laboratórios da China, Índia e Rússia partiram os primeiros missionários que bons samaritanos, percorrem os campos de cinzas cobertas de brasas moribundas, distribuindo fé.
Crentes, confiavam os sobreviventes que em doses de meio miligrama, tudo teria fim.
Um dia passaria.
Ironias inexplicáveis à parte em tempos de sofrimento, invasores ainda mais perigosos foram identificados nos dois outros países dos BRICS.
Dependentes da ajuda externa até para proteção individual, munição e armamentário médico,
Brasil e África do Sul não fizeram como a maioria.
Não se resguardaram.
Não se organizaram.
Não permitiram que a vida seguisse, mesmo em ritmo e intensidade reduzidas, com segurança e proteção para a maioria e os mais carentes.
Cruel lei de retorno ou divino castigo, foi nestes países onde surgiram variantes, cepas do vírus com capacidade de driblar as defesas que bem poucos conseguiam armazenar.
Em semelhante e intricado jogo de tabuleiro, uma coisa é certa.
Não houve lugar para a peça pária.