7 de maio de 2024
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GOSTOSO REENCONTRO

Família camponesa em um interior (1642) – Irmãos Le Nain, Louis e Antoine – Museu do Louvre, Paris


A viagem de quase duas horas, cortando  paisagem tão árida quanto monótona, acabou em sede de isolamento e fome de retirante em pintura de
Portinari.

Na simpática estalagem de destino, a negativa do  pedido de antecipação do check in, antes da hora apontada na reserva,  foi compensado com a liberação das demais dependências, até a arrumação do quarto.

Na alta estação pós-covid, tolerâncias com a verificação final não permitiam outras gentilezas.

Entre os chalés, sob frondosas acácias, o pequeno restaurante é acolhedor. E uma gratíssima surpresa.

De frente,  mas sem vistas para a praia de ventos que atraem marujos de barcos egoístas, a sala de repasto é um enclave no território da Pousada dos Ponteiros.

Qual principado independente, Balica serve o desjejum, mas jejua ceias e sopas, dispensando os jantares.

Então, que sejam bem aproveitados os almoços.

Enquanto o caçula, motivo da escapada para a comemoração do natalício, não chegava,  a única marca de malte, feliz coincidência com a de hábito, preferência e gosto, descia redonda.

À temperatura nem estúpida nem indolente, as loiras suavam,  pedindo acompanhamento no início da tarde ainda solitária.

E vieram à mesa, dados de queijo de coalho em crosta de tapioca e dedinhos  de polvo ao vinagrete, finos tentáculos, arrancados ao primo canto das sereias.

A carta de vinhos é honesta e acessível aos bolsos de quem não liga para safras, desde que as uvas virem néctar, como os gatos de todas as cores caçam ratos comunistas, na China.

O cardápio resumido é síntese da proposta de servir famílias em férias.

As escolhas começam pelo tamanho das porções. Para casais e parelhas, ou quatro,  que servem até meia dúzia, contadas crianças comensais.

Do mar, camarões aportam  em balsa de abacaxi, sobre ondas de  arroz picante, ou  disfarçado de bobó, afundeia seus ingredientes: macaxeira, azeite de dendê e toda pimenta que não provoque lágrimas.

Da terra firme, as tentações para o pecado venial de se escolher qualquer manjar sem as bençãos da rainha das águas.

Carne de sol grelhada, ornamentada por lâminas do onipresente queijo de coalho, cebola caramelizada no mel de jandaira e feijão verde.

Quem quebra a tranquilidade no comedor, é o bafafá. Alcunha do baião de dois, completado em trio, na cadência da farofa de bolão.

Madame M., versada em áudios e mensagens telepáticas das redes sociais, exímia calculadora de  distâncias encurtadas pela velocidade, calculou bem o tempo para a chegada dos viajeiros às nascentes da BR 101.

Os abraços e beijos, confinados desde antes das vacinas, coincidiram com o pouso da  panela de barro e sua caldeirada, na mesa farta. E divina.

Iguaria para ser louvada por Apícius e por quem mais, longe de senadores falastrões, testemunhas e depoentes;  esquecido de somatórios fúnebres e supremas liminares purgatórias, com um grito que só os italianos sabem dar quando, além de uma dolce vita, nada mais lhes interessa:

-Vaffanculo a tutti !

 

Refeição de Camponeses (1642) – Louis Le Nain – Museu do Louvre, Paris


(Texto requentado em comemoração aos 34 anos de João, o filho caçula)

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