2 de maio de 2024
Política

JUIZ DE DENTRO

Trópicos Malditos, Gozosos e Devotos 07 (2020), Rivane Neuenschwander


Se alguém ainda tem dúvida se a política é realmente dinâmica,  e que sempre vem embrulhada em acontecimentos imprevisíveis, o convite para ler o texto publicado há dois anos, na jurisdição deste Território Livre.

O JUIZ QUE ENTROU NUMA FRIA

Nem autor de novela de realismo fantástico (ou mexicana), teria a ousadia de criar o personagem de um juiz que na trama é  protagonista, do núcleo do bem, mas acusado de tantos crimes, é de se imaginar, acabe nos últimos capítulos, no mesmo camburão dos muitos que condenou.

Paladino da lei, inspirado em mega-operações internacionais que combateram poderosos esquemas de corrupção, virou símbolo nacional de decência.

Sua fama foi longe.

Há quatro anos, ocupou a décima-colocação na prestigiadíssima lista das cem pessoas mais influentes do mundo, da Bloomberg.

Suas decisões influenciaram magistrados Brasil a fora e sua principal arma de enfrentamento aos malfeitos, uma particular interpretação da Teoria do Domínio do Fato foi acatada pelos tribunais superiores, sem maiores questionamentos.

Caiu no gosto do povo e na chibata dos justiceiros digitais.

O fio do novelo que levou a nação estarrecida ao maior escândalo político, foi um potente jato d’água que derrubou o pretenso chefe de todos os chefes das quadrilhas e quadrilhões.

Envolvimento das maiores empresas privadas, a maior estatal  afogada em águas profundas e quase enterrada nas camadas do pré-sal, apoio da grande mídia e seguidores fiés, recrutados para a luta incessante das redes sociais, não paravam de surgir.

Acabou presidenciável sem partido.

O que seria uma operação envolvendo polícia e um grupo de jovens procuradores, fermentou.

Inchou e tornou-se a carta magna clandestina de uma  quase república independente.

Curitiba, novo epicentro da moralidade, atraía e incluía no mesmo processo, outros peixes grandes, lambaris e piabas.

Ficou pequena pra tanto poder e ego.

Na hora errada, a mosca azul pousou na testa errada.

A surpreendente aceitação do ministério que parecia o umbral supremo e fiança para um governo técnico e retilíneo, não resistiu às intrigas palacianas, aos colegas estabanados e às trapalhadas dos garotos numerados.

Nos céus de Brasília, astro  brilhando mais que o sol, vira estrela cadente.

E se entrar na órbita da defesa das grandes corporações que  condenou no passado, acaba como um meteoro em rota de colisão com a própria biografia.

O destino e a lei do retorno, sempre implacáveis.

O mesmo pau que bateu em Chico foi interceptado por um bando de chantagistas mequetrefes, e acabou em outra operação, de tradução equivocada.

Spoofing.

Falsificação que não foi provada.

Os diálogos gravados e ouvidos aconteceram e são armas mortais.

Forjadas com os mesmos ferros que tanto feriram, mancham a reputação do ex-homem da lei.

Como uma indelével marca de batom na cueca.

 

O Juiz de Fora (1922) – Rivane Neuenschwander              *** Um rato de terno e gravata segura em uma mão um pano nas cores da bandeira dos Estados Unidos e, na outra, uma bucha de limpeza, referência à Lava Jato

                                             ***

Eleito senador, o ex-juiz  Sérgio Moro (União Brasil – PR), ainda enfrenta um processo de investigação pela justiça eleitoral, movida pelo Partido Liberal que pode levar à cassação do seu mandato

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