5 de maio de 2024
Memória

LEMBRANÇA DE ALYNE

Cabeça de Medusa (1597) – Caravaggio – Galleria degli Uffizi, Florença, Itália


Em país de memória curta e volátil, as perdas irreparáveis são esquecidas antes da missa de sétimo dia.

Embora substituídos nas funções e docências, os exemplos de grandes mestres e empreendedores permanecem e são repassados às novas gerações.

No mundo globalizado, dominado pelos grandes negócios em relações transnacionais, ainda tem lugar para um brasileiro que deixou seu pensamento impresso em doze livros e seu estilo de administrador do bem público, em empresas que nasceram com sua marca.

Soteropolitano, filho de espanhóis donos de padaria em bairro proletário, José Walter Bautista Vidal aos dez anos, mudou-se para a Galícia. Cinco anos depois, era aluno-prodígio da Universidade de Santiago de Compostela.

Só veio a colar grau de engenheiro civil com o retorno da família à Bahia, no Curso Politécnico da Universidade Federal.

A régua e o compasso que recebeu da boa terra, usou para encontrar o caminho da acidentada trilha que o levaria ao palco da guerra pelo desenvolvimento e soberania nacionais.

Entrou na linha de tiro com as armas da física nuclear que trouxe da Universidade de Stanford.

Associou a teoria acadêmica ao mundo real das empresas que necessitavam de recursos governamentais, sem preconceitos contra a participação estrangeira, desde que não houvesse comprometimento  dos interesses nacionais.

Como secretário de Ciência e Tecnologia da Bahia, teve participação protagonista na implantação do Polo Petroquímico de Camaçari.

Secretário de Tecnologia do Ministério da Indústria e Comércio, mostrou ao ministro Severo Gomes a saída para a crise do petróleo dos anos 70, pela produção de automóveis movido a outros combustíveis não derivados do petróleo.

O programa nacional do álcool  tem o seu DNA.

Foi atropelado pela Elba de Collor que sepultou o projeto nióbio antes da primeira safra.

Retirado da vida universitária, continuou ensinando.

Em livros, nos artigos publicados na Folha de São Paulo, palestras em seminários e nas consultorias para institutos de pesquisas econômicas.

Sofreu retaliações dos poderosos de plantão, pela defesa intransigente da indústria e do parque tecnológico nacionais.

Ao mais robusto dos desafetos, Delfim Neto, atribuía a demissão de alguns empregos.

Seu partido era a nação brasileira.

No final dos anos 80, comungou com as ideias do Prof. Enéas Carneiro na fundação do Prona, partido de vida tão efêmera  quanto tempo no horário eleitoral.

Sua luta na defesa do patrimônio nacional se intensificou na oposição às privatizações e ao neo-liberalismo do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Fez a cabeça de Leonel Brizola e seu programa de governo para a energia.

Tentou, sem êxito, convencer Hugo Chávez a buscar uma nova matriz energética para a Venezuela.

Pessoas cujas ideias inovadoras só são reconhecidas depois que partem, nunca deixam de ser lembradas.

Muitas vezes, sem motivo aparente.


N.R.

Alyne,  filha de Bautista Vidal reside em Natal. Auditora fiscal, há dois anos, foi presa por 10 dias.

Havia denunciado irregularidades em contrato de uma empresa que fornecia livros à Secretaria Estadual da Educação, o que lhe custou meia dúzia de processos criminais.

Nesta estória,  há personagens sobre os quais a dúvida é perigosa.

E para a memória de um aprendiz de cronista, também.

 


(O texto original, Lembrança de Bautista, foi postado em 22/04/2021)

One thought on “LEMBRANÇA DE ALYNE

  • Maria Das Graças Menezes De Menezes Venâncio

    Vc foi feliz nesta retrospectiva. Ainda bem que temos de auditores ficais provenientes de outros lugares e com outras formações. Li na página 2 duas boas crônicas. Estou lendo a sua idem. Outras são dispensáveis. A pessoa as vezes não desmamou e pensa que ninguém aqui não ler ou que as pessoas não enxergam como procede as oligarquias. Não vou tomar a 5a dose da vacina e não é porque pense que vou virar jacaré. Apenas porque são perigosas para a saúde. Já tomei a da gripe. Continuo na luta diária, desapontada com o RN e natal. Não sairei nem do bairro aonde nasci. Parabéns vc escreve bem. Deve ser bom profissional.

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