9 de maio de 2024
Memória

MATÉRIA BEM CONHECIDA

Primeira operação com anestesia pelo éter em 16/10/1846 – Robert C. Hincley (1893) – Boston Medical Library


A
residência médica permite aos recém-formados, a prática, sob tutela dos mais  experientes, dos conhecimentos amealhados nos seis anos da faculdade.

De acesso restrito a poucos, cada vaga é tão disputada que quem a conquista muito mais que vitorioso, sente-se, simplesmente, o máximo.

Até começar o estágio.

Além da liturgia própria e rígido código de comportamento, uma hierarquia a ser respeitada.

Nas especialidades cirúrgicas, aumenta a  disputa pra ver quem  opera mais.

Tarefas distribuídas. As penosas e menos importantes, reservadas aos mais modernos.

Cirurgia completa, de pele-a-pele só para os veteranos.

Aquele R1 (residente calouro), o burro de carga do serviço, reclamava pelos quatro cantos, as poucas oportunidades que tinha de desenvolver suas habilidades.

Quando escalado para o centro cirúrgico era para instrumentar ou então como segundo auxiliar.

Cansou de dar pontos na pele, a maior responsabilidade a ele atribuída.

Já na enfermaria, sobrava pra ele,  todo o serviço.  Prescrições, evoluções e a entediante burocracia de guias, autorizações e uma gaveta cheia de carimbos.

Além do encargo de  fazer os curativos – tarefa que considerava ser da enfermagem – e descrevê-los em minúcias nas visitas da equipe à beira do leito.

Um certo  paciente não vinha evoluindo bem.

Curativo sempre sujo, tendo de ser trocado com  frequência.

O chefe, resistente em admitir insucessos nas suas intervenções, afirmou que toda aquela secreção escura e mal cheirosa era apenas serosidade passageira.

Coisa normal que logo o tempo, senhor da natureza,  resolveria.

Foi aí que o mais jejuno do grupo criou coragem, discordou da autoridade máxima e fez seu próprio diagnóstico.

Para ele, o paciente havia desenvolvido uma fistula intestinal que drenava,  cada vez mais, fezes.

E encerrou o caso com uma observação incontestável:

Isto é merda. E merda eu conheço bem.

 

Dr. Billroth operando no Hospital Geral de Viena (1890) – Galeria de Arte A. Seligman, Viena

***
(Esta estória contada em 14/05/19, volta ao TL para lembrar que a inundação de novos cursos médicos só será controlada pelas residências em serviços credenciados pelo Conselho Federal de Medicina)

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