2 de maio de 2024
Comunicação

MEDICINA EM DESENCANTO

Toda força aplicada a um corpo é devolvida em  igual intensidade.

O princípio da física virou lei nunca revogada.

E mais uma maçã na cesta do Seu Isaac Newton.

Antes que aparecessem os primeiros mestres e doutores em jornalismo, não era preciso  ter pontuado 1000 no ENEM, para entrar numa redação.

Copidesques davam jeito às mal traçadas laudas dos focas.

Qualquer erro mais cabeludo, o pato do linotipista levava o chumbo.

Depois que inventaram as colunas e páginas de opinião, o movimento corporativista foi se refugiar nas assessorias de imprensa e dedos diversos começaram a maltratar  as velhas remingtons e olivettis.

O espaço antes ocupado  por advogados mais amostrados, passou a ser frequentado também por outros doutores boquirrotos.

Os médicos logo perceberam que, fugindo um pouco dos assuntos mórbidos , mantendo o raciocínio clínico e seguindo princípios da semiologia e terapêutica, poderiam transformar histórias de sofrimento e evoluções de cura, em artigos de jornais.

E foram brotando poetas, cronistas, contistas, romancistas e memorialistas. De aventais e cabelos brancos, esperando a hora e o tempo de pendurar o estetoscópio chegar, em noites de autógrafos.

Nem de longe ameaçado pela nova concorrência, quem  percebeu a usurpação foi Millôr Fernandes (1923-2012).

E  quem primeiro reagiu:

São tantos os médicos virando escritores, que já sei o que vou ser quando me aposentar:

Médico.
Ginecologista.

A sátira do mestre das letras e de todas as artes impressas, emergiu, na maré de tormentas, surfando as ondas pandêmicas e arrebentando outros desvios de função.

Nas redes sociais, a preponderante participação de esculápios em discussões de temática jurídica, antes exclusiva aos causídicos e digital influencers, há quem diga, foi exagerada.

Os nosocômios ocupados exclusivamente pelos profissionais da linha de frente e a nouvelle vague dos teleatendimentos, levam os esculápios a prescrever em podcasts, viver de mesa redonda, pulando de webinar em webinar.

Uma vingança maligna não separou o Jório de Seu Trigo.

Jornalistas em disponibilidade, cientistas sociais desocupados,  professores no lockdown, estatísticos de catástrofes,  analistas de gráficos de  barras e colunas, e pizzaiolos pulularam, se reproduziram e tornaram a  blogosfera, quase inóspita e irrespirável.

Foram deles, ouvidos os comitês científicos, diretrizes e protocolos acatados e seguidos fiel e obedientemente por pacientes e seus cuidadores.

E os médicos, como ficaram depois que a pandemia amansou?

Aqueles charlatões que  só sabiam passar remédio pra piolho, agora lutam para sobreviver às novas batalhas publicitárias, nos 30 segundos do Instagram e do TikTok.


(Atualização de texto publicado em 30/03/2021)

 

 

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