28 de abril de 2024
Familia

PÁGINAS DIVIDIDAS

Autorretrato (1506) – Rafael Sanzio – Galeria Palatina, Florença

A família reunida, parentes de vários chegares, muitos conhecidos nas conversas de apresentações rápidas, antes  da missa em memória do patriarca, marcando os cem anos de sua chegada à pequena cidade que ajudou a construir.

A Nova Cruz de todos, ancestral.

No almoço, entre uma música e um discurso, mais prosas e promessas de visitas mútuas e contatos mais frequentes pelas redes sociais.

Já nas despedidas para a viagem antes do lusco-fusco, um primo, que nunca havia deixado a terra querida, aproxima-se para  dois dedos de conversa.

Depois da contagem dos filhos e inventário dos mortos,  relembra um fato já esmaecido na memória sexagenária.

Achava-se devedor de imenso favor recebido do primo médico quando esteve entre a vida e a morte no hospital que atende a todos. E para onde são levadas as vítimas da violência interpessoal.

O tratamento e os cuidados comuns, haviam sido interpretados como deferência especial movida pelo parentesco e a atenção da ilustre visita médica diária, um fato excepcional.

Ali estava para a constatação do bem-estar e da recuperação sem sequelas.

E que havia conservado o nobre sentimento da gratidão.

Em reconhecimento, o nome do filho que veio um pouco depois do seu renascimento, era igual ao do samaritano.

Que outro primo, também médico, por obséquios semelhantes, em outras situações menos agudas, foi merecedor  do mesmo preito.

Sem conhecer o xará, homônimo ipsis litteris, agnome incluso, ausente das festividades por motivo de doença ou escola, um encontro foi marcado naquelas agendas que nunca são consultadas.

Do pai e do filho, nenhuma notícia mais.

De vez em quando, só a evocação do gesto tão generoso como medida de agradecimento.

E a curiosidade de saber como a vida os estava tratando.

A resposta chegou vestida de surpresa carmim.

E cinza tristeza.

No acompanhamento de processos judiciais, como fazem todos que tiveram a infeliz desdita  de ter sido secretário de saúde, aparece mais um.

Alguma acusação por crime administrativo sem prescrição nem atenuantes, oito anos, um mês e treze dias depois de exorcizado pelo Diário Oficial, foi imaginada.

Pior.

Um alvará de soltura e concessão de liberdade provisória com as restrições condicionantes a ser cumpridas.

***

(O texto publicado em 17/06/2020, NOSSOS 21 ANOS, volta por força de outra ocorrência policial registrada na Delegacia de Polícia de Alexandria.

Uma discussão.

Briga, faca na mão.

Ninguém ferido.

O xará e o homônimo,  por “crime contra a vida/homicídio simples”, estão de novo, nas páginas eletrônicas do Tribunal de Justiça que não leva em consideração nossos números do CPF, nomes das mães, nem as idades dos réus, em crime errônea e grosseiramente  tipificado.

Quatro dias de cana depois, corrigida a acusação  para “crimes contra a liberdade pessoal/ameaça”,  o homenageante segue percorrendo cidades no seu  ofício de armador de brinquedos de parque de diversões.

Que continue levando alegrias para as crianças, sem causar mais sustos ao primo setentão)

 

Retrato de um Homem (1504) – Rafael Sanzio – Galeria Borghese, Roma

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