O DOUTOR VERDE
Depois das tentativas de desprestígio da categoria, desvalorizados pela disseminação de escolas médicas e até cassados os títulos honoríficos de doutores, conferidos por Dom João VI, os médicos viram uma réstia de reconhecimento ressurgir, na terra devastada pela novo vírus, em pleno caos da pandemia.
Parecia que o encanto e a admiração pela ocupação que já havia sido sacerdócio, estava de volta.
Durou pouco. Estatísticos, comentaristas de TV, eleitos pela velha e nova política, e adivinhos de toda espécie, ocuparam os espaços.
Até promessas de melhorias nas retribuições pecuniárias pelo desempenho, já foram esquecidas.
Ficam as lembranças, dos antigos facultativos que se aventuraram pelo interland de meu deus, distribuindo receitas de solidariedade, temperadas com sonhos juvenis.
Muito antes do programa Mais Médicos, era sempre difícil a fixação dos profissionais nas menores cidades.
Não foi diferente em Nova Cruz.
Condições de trabalho, como as que persistem, a causa da alta rotatividade.
Na primeira oportunidade surgida na capital, e lá se ia o doutor de volta.
Dos que ficaram, quase todos, picados pelo mosquito azul da política, viraram prefeitos.
A Fundação SESP foi a mais bem sucedida experiência de interiorização da medicina brasileira.
Trabalho parametrizado, multidisciplinar, em postos e hospitais razoavelmente bem equipados.
Regime de dedicação exclusiva.
Salário de fazer inveja ao juiz da comarca.
Pena que durou pouco.
Aquele jovem sespiano vindo de João Pessoa, recém-formado, casado há pouco, e ainda sem filhos, receberia ainda mais incentivos para permanecer na comunidade.
As lideranças locais se mobilizaram e fizeram o possível para agradá-lo.
Pra começo de conversa, arranjaram logo uma das melhores casas da cidade. Em rua calçada, lado da sombra, ventilada e até com cisterna.
Uma senhora que fazia às vezes de agente de empregos para moçoilas vindas dos sítios, encontrou a doméstica ideal.
De boa aparência, discreta, alfabetizada, asseiada.
De forno e fogão.
Tinha tudo pra dar certo.
Não passou porém muito tempo, para correr a notícia da rescisão contratual do vínculo empregatício.
Apesar de bem tratada, trabalho maneiro, e sem conflitos de relacionamento.
Empregão como nunca mais haveria de encontrar outro igual.
O problema que se tornou insolúvel, foram os hábitos alimentares dos patrões de Genoveva, confessados a quem havia arranjado o trabalho:
Dona Joanita, eles só comem fôia.
O médico vegetariano também não demorou muito no emprego.
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(Os fatos relatados foram publicados originalmente em 19/04/2019)