6 de maio de 2024
Comunicação

O GOLPE DAS PALAVRAS

 

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Festa de São João – Anita Malfatti (1889-1964)


Algumas palavras têm a capacidade de nos surpreender. E de nos deixar sem elas.

No trato com os vocábulos, simpatia é quase amor. Ou mais que ódio.

Tem as que não vemos a hora de meter numa conversa  mas  nunca cabem na prosódia. A ortoépia não ajuda.

As insubstituíveis não deixam outro verbo se expressar em nome delas.

Em extrema irritação, quem diz estar bravo da vida, dá a impressão que a raiva momentânea não é tanta nem tamanha.

Outras, desde a apresentação formal, dão a certeza que nunca serão usadas. Parecem traduções infelizes que ficam um tempo na moda e a gente na torcida para que venha logo outra em substituição.

Sai lockdown, entra flexibilização mas o que se  espera mesmo é a volta da normalidade.

Na guerra dos gêneros, tem as que fazem claras opções e não se relacionam com o sexo oposto.

Não há registros de  teses, papers ou TCCs que versem ou prosem sobre  empoderamento masculino. Virou palavra transgênera e em breve, dispensará o adjetivo.

Experimente o elogio a um amigo. Um desses misóginos-homofóbicos que pelas etimologias deve  ser um empoderado assexuado. Ou coisa pior. Se é que exista.

Joaquim Ferreira dos Santos já no finalzinho da  sua coluna d’O Globo, neste domingo recém-confinado, dá um desses golpes inesperados.

Dos que levam à lona até quem sabe que se é golpe, não tem espera.  E para se  recobrar os sentidos, precisa de um exemplo pra nunca  mais esquecer.

Sem fugir do protofascismo tupiniquim, tema que domina a mídia, não evitou comparar o capitão-presidente com os generalíssimos ibero-italianos, ao fazer a pergunta direta. Na lata e no título: Qual vai ser o golpe, Bolsonaro?

Depois de passear por todos os tipos. Do de ar, pelo de vista, dos de trambiqueiros e até do de baú, concluiu que um tosco só está impedido de dar é o golpe de mestre.

E justificou, por tratar-se de um oximoro.

A Wikipedia, mãe dos burros digitais, tascou um acento agudo na proparoxítona antes de explicar que oxímoros são encontros de palavras que se contrapõem.

E ao lado, uma da outra, fortalecem, vitaminam as sentenças. Tornam as frases, digamos, empoderadas.

Simples assim. Sem paradoxos nem antíteses.

Se tivesse lembrado do conceito e da onomatopeia, o ex-ministro-ex-juiz  nunca entraria, de beca, num balaio de gatos.

Juntos e imiscíveis, os políticos fazem coisas que nem os diabos acreditam mas são tementes ao silêncio ensurdecedor que sucede  o grito de alerta:

É gópi.

(Publicação original em 10/06/2020)

***

Desde que a Governadora Fátima desocupou a moita do Senado e a ex-Presidenta iniciou uma longa e inexplicável fun tour, a palavra entrou em desuso.

Há um ano,  houve a manobra de ressuscitação para dizer que é impossível o golpe de mestre por quem não tem o que ensinar, agora é Chico Buarque quem retoma o tema e faz o alerta.

O tataraneto de baiano, bisneto de mineiro, neto de pernambucano, filho de paulista, ele mesmo carioca da gema, leu nas entrelinhas da história contemporânea e viu em bola de cristal que o Presidente Bolsonaro está gostando da confusão em que nos meteu, e easy rider, quer ficar mais um tempão alternando  caneladas com passeios de moto.

Como não somos mesmo principiantes, como bem disse o maestro soberano, é bom cada um tomar o lugar nesta dança que parece não ter fim.

Ou an avant tout, ou alors, an arrière.

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Chico Buarque por Felipe Cachopa

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