O GOLPE DAS PALAVRAS
Algumas palavras têm a capacidade de nos surpreender. E de nos deixar sem elas.
No trato com os vocábulos, simpatia é quase amor. Ou mais que ódio.
Tem as que não vemos a hora de meter numa conversa mas nunca cabem na prosódia. A ortoépia não ajuda.
As insubstituíveis não deixam outro verbo se expressar em nome delas.
Em extrema irritação, quem diz estar bravo da vida, dá a impressão que a raiva momentânea não é tanta nem tamanha.
Outras, desde a apresentação formal, dão a certeza que nunca serão usadas. Parecem traduções infelizes que ficam um tempo na moda e a gente na torcida para que venha logo outra em substituição.
Sai lockdown, entra flexibilização mas o que se espera mesmo é a volta da normalidade.
Na guerra dos gêneros, tem as que fazem claras opções e não se relacionam com o sexo oposto.
Não há registros de teses, papers ou TCCs que versem ou prosem sobre empoderamento masculino. Virou palavra transgênera e em breve, dispensará o adjetivo.
Experimente o elogio a um amigo. Um desses misóginos-homofóbicos que pelas etimologias deve ser um empoderado assexuado. Ou coisa pior. Se é que exista.
Joaquim Ferreira dos Santos já no finalzinho da sua coluna d’O Globo, neste domingo recém-confinado, dá um desses golpes inesperados.
Dos que levam à lona até quem sabe que se é golpe, não tem espera. E para se recobrar os sentidos, precisa de um exemplo pra nunca mais esquecer.
Sem fugir do protofascismo tupiniquim, tema que domina a mídia, não evitou comparar o capitão-presidente com os generalíssimos ibero-italianos, ao fazer a pergunta direta. Na lata e no título: Qual vai ser o golpe, Bolsonaro?
Depois de passear por todos os tipos. Do de ar, pelo de vista, dos de trambiqueiros e até do de baú, concluiu que um tosco só está impedido de dar é o golpe de mestre.
E justificou, por tratar-se de um oximoro.
A Wikipedia, mãe dos burros digitais, tascou um acento agudo na proparoxítona antes de explicar que oxímoros são encontros de palavras que se contrapõem.
E ao lado, uma da outra, fortalecem, vitaminam as sentenças. Tornam as frases, digamos, empoderadas.
Simples assim. Sem paradoxos nem antíteses.
Se tivesse lembrado do conceito e da onomatopeia, o ex-ministro-ex-juiz nunca entraria, de beca, num balaio de gatos.
Juntos e imiscíveis, os políticos fazem coisas que nem os diabos acreditam mas são tementes ao silêncio ensurdecedor que sucede o grito de alerta:
É gópi.
(Publicação original em 10/06/2020)
***
Desde que a Governadora Fátima desocupou a moita do Senado e a ex-Presidenta iniciou uma longa e inexplicável fun tour, a palavra entrou em desuso.
Há um ano, houve a manobra de ressuscitação para dizer que é impossível o golpe de mestre por quem não tem o que ensinar, agora é Chico Buarque quem retoma o tema e faz o alerta.
O tataraneto de baiano, bisneto de mineiro, neto de pernambucano, filho de paulista, ele mesmo carioca da gema, leu nas entrelinhas da história contemporânea e viu em bola de cristal que o Presidente Bolsonaro está gostando da confusão em que nos meteu, e easy rider, quer ficar mais um tempão alternando caneladas com passeios de moto.
Como não somos mesmo principiantes, como bem disse o maestro soberano, é bom cada um tomar o lugar nesta dança que parece não ter fim.
Ou an avant tout, ou alors, an arrière.