O MORDOMO DA VEZ
Quando faltava vacina, todos brigavam e ninguém tinha razão.
O que poderia ter sido a oportunidade única de união nacional, foi fracionada em tantas doses, origens e grupos que serviu ainda mais para divisões, desentendimentos e disputas.
Quando tudo passasse, depois da contagem final das perdas, mesmo na imensa saudade dos mais queridos que nunca acabará, a apuração dos ganhos seria feita.
Os valores dos movimentos antivacinas ainda não ocuparam as primeiras colunas dos haveres.
A contabilidade imunológica ainda mostra expressivo número de pais que deixam os filhos menores sem direito a ter suas próprias defesas contra doenças que já foram comuns, pareciam ter acabado mas, quando e onde menos se espera, voltam, maltratam e destroçam.
A nação rachada ao meio segue politizando tudo.
Lados e programas doutrinários são defendidos com as armas afiadas das redes sociais.
A mais recente volta da Dengue lembra diagnósticos insustentáveis, das gripezinhas banais às opções terapêuticas indefensáveis, passando pelo não tratamento em fases precoces controláveis da doença.
O medo e a poesia entram na polêmica e vencem todas as disputas.
Imunizar é preciso.
Viver não é preciso.
Vencido o preconceito da origem da salvação, pela evidência que na regra clara, era pegar ou largar.
E quando só tem tu, que viesse do jeito que viesse.
Da China, da Índia, da Sibéria.
Até de Cuba se verdadeira tivesse sido a descoberta da vacina vermelho radical.
Na Covid, com muito deltoide pra pouca seringa, a inevitável divisão das castas aconteceu.
Os mais expostos primeiro, depois os mais velhos.
Tão simples apartação, aparentemente singela e pacífica, bastando a apresentação da carteira profissional e a certidão de nascimento.
Estratégia, motivo de litígio que operou milagres.
Revelou idades secretas e apresentou filas a estreantes.
Madames recauchutadas, sob máscaras e imensos óculos escuros, não garantiram o anonimato nem esconderam informações privilegiadas sobre contagem de velinhas.
Reis pacientemente esperando a vez, agradecidos aos mais humildes súditos, felizes com o que conseguiram sem nada subtrair das suas incalculáveis fortunas.
Na preservação das mais caras tradições nacionais, as soluções ficaram pra depois, levadas na pança pelos governantes.
O importante era convocar todos para as emoções do Jogo do Mordomo.
Objetivo único, encontrar o culpado.
Agora, com a falha do controle do mosquito, volta a esperança em outra vacina.
Que também não tem pra todo mundo, mas desta vez sem a mesma cobrança dos cientistas das bancadas de TV.
Mudou o mordomo, ou o culpado continua sendo o que foi demitido há mais de um ano?