28 de abril de 2024
FamiliaMemória

PEDIDO AO FILHO QUARENTÃO

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Pai e Filho em Skagen – Michael Ancher, pintor dinamarquês (1849-1927)


Algumas revelações merecem ser guardadas para uma data especial.

Uma idade de número fechado, de buraco, como a de hoje.

Ao completar a quarta década, o segundo filho, é convidado a abrir o baú das recordações, e ouvir histórias da família.

Ele vai  notar que no depósito esbarrotado,  basta espanar  a poeira. que saem episódios de vida e figuras inesquecíveis.

E que há espaço para acomodar outras, com novos protagonistas, incluído o nosso galho, na frondosa árvore genealógica.

Nesta ópera, tem papel e lugar para novos atores e cada um, com mais ou menos brilho, tem vez na boca da cena.

Os eupátridas que somos hoje,  bem nascidos e de pais nobres, têm uma tradição que passa pelos ancestrais que desbravaram as terras que um dia haverão de pertencer também a seus netos

Seu bisavô paterno desceu a Borborema, vindo das Ararunas.

Troupeiro, andarilho e visionário, encontrou no pé-de-serra, o eldorado onde procurar ouro. Achou, do branco.

A boa fortuna garimpada na plantação do algodão arbóreo, no financiamento  da vizinhança e intermediação de  negócios com as indústrias, ao custo de pequeno spread .

Não é que na Grécia da Caatinga tenha havido hectemoros, camponeses que não podendo pagar as dívidas, perdiam tudo e voltavam ao trabalho quase escravo.

Não chegava a tanto.

Seu antepassado mais argentário e rico, à falta e no vácuo de instituições bancárias, percorria as feiras com uma surrada pasta de couro, entupida de dinheiro.

Notas cuidadosamente arrumadas em maços, cabeça com cabeça, verso a verso.

Emprestava aos conhecidos e a quem mais chegasse  com dois avalistas de posses e palavra, para firmar contratos verbais, garantidos aos fios dos bigodes.

Contanto que o usufrutuário do empréstimo  não fosse cabeludo, não portasse costeletas, nem usasse camisa de meia, boné ou deixasse escapar qualquer outro sinal exterior de malandragem.

A juros fixos de 6% ao ano, não é de estranhar que alguns herdeiros prefiram considerar a  lucrativa atividade, serviços bancários informais, em vez  da pejorativa usura contra a economia popular, agiotagem.

Não deixe que o RNA-mensageiro que aplicaram no seu braço, modifique sua genética nem desvaneça a tradição familiar.

Soube que o neto, aos seis anos, encantado  com o mundo mágico de Harry Potter, quer tornar mais concreta suas fantasias e sonha acordado com um castelo que abrigue tantos incríveis personagens.

E que ao saber do alto custo do investimento e o prazo resumido de uso, antes de ser recolhido ao depósito onde jazem os de Batman, Homem Aranha, Aquaman, Super-homem e outros menos votados da legião dos super-heróis,  teve seu pedido de doação a fundo perdido, recusado.

O  necessitado, sem-teto imaginário, ainda aguarda resposta para a solicitação alternativa que  deixou no ar, a um pai estupefato:

Você pode me emprestar um mil e trezentos reais? Depois eu pago…

A depender da data de quitação da promissória, se for para daqui a pelo menos vinte anos, aceite-me como garantidor.

Com todo prazer e esperança de testemunhar a quitação do débito.

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Paulo, Davi e Luiz
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Paulo Rocha de Arruda Câmara  *13/02/1982

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