PEDIDO AO FILHO QUARENTÃO
Algumas revelações merecem ser guardadas para uma data especial.
Uma idade de número fechado, de buraco, como a de hoje.
Ao completar a quarta década, o segundo filho, é convidado a abrir o baú das recordações, e ouvir histórias da família.
Ele vai notar que no depósito esbarrotado, basta espanar a poeira. que saem episódios de vida e figuras inesquecíveis.
E que há espaço para acomodar outras, com novos protagonistas, incluído o nosso galho, na frondosa árvore genealógica.
Nesta ópera, tem papel e lugar para novos atores e cada um, com mais ou menos brilho, tem vez na boca da cena.
Os eupátridas que somos hoje, bem nascidos e de pais nobres, têm uma tradição que passa pelos ancestrais que desbravaram as terras que um dia haverão de pertencer também a seus netos
Seu bisavô paterno desceu a Borborema, vindo das Ararunas.
Troupeiro, andarilho e visionário, encontrou no pé-de-serra, o eldorado onde procurar ouro. Achou, do branco.
A boa fortuna garimpada na plantação do algodão arbóreo, no financiamento da vizinhança e intermediação de negócios com as indústrias, ao custo de pequeno spread .
Não é que na Grécia da Caatinga tenha havido hectemoros, camponeses que não podendo pagar as dívidas, perdiam tudo e voltavam ao trabalho quase escravo.
Não chegava a tanto.
Seu antepassado mais argentário e rico, à falta e no vácuo de instituições bancárias, percorria as feiras com uma surrada pasta de couro, entupida de dinheiro.
Notas cuidadosamente arrumadas em maços, cabeça com cabeça, verso a verso.
Emprestava aos conhecidos e a quem mais chegasse com dois avalistas de posses e palavra, para firmar contratos verbais, garantidos aos fios dos bigodes.
Contanto que o usufrutuário do empréstimo não fosse cabeludo, não portasse costeletas, nem usasse camisa de meia, boné ou deixasse escapar qualquer outro sinal exterior de malandragem.
A juros fixos de 6% ao ano, não é de estranhar que alguns herdeiros prefiram considerar a lucrativa atividade, serviços bancários informais, em vez da pejorativa usura contra a economia popular, agiotagem.
Não deixe que o RNA-mensageiro que aplicaram no seu braço, modifique sua genética nem desvaneça a tradição familiar.
Soube que o neto, aos seis anos, encantado com o mundo mágico de Harry Potter, quer tornar mais concreta suas fantasias e sonha acordado com um castelo que abrigue tantos incríveis personagens.
E que ao saber do alto custo do investimento e o prazo resumido de uso, antes de ser recolhido ao depósito onde jazem os de Batman, Homem Aranha, Aquaman, Super-homem e outros menos votados da legião dos super-heróis, teve seu pedido de doação a fundo perdido, recusado.
O necessitado, sem-teto imaginário, ainda aguarda resposta para a solicitação alternativa que deixou no ar, a um pai estupefato:
Você pode me emprestar um mil e trezentos reais? Depois eu pago…
A depender da data de quitação da promissória, se for para daqui a pelo menos vinte anos, aceite-me como garantidor.
Com todo prazer e esperança de testemunhar a quitação do débito.