30 de abril de 2024
Memória

ÓRFÃ DE FILHO

Os cruéis números das perdas não estarreciam mais.

Em um único dia no Brasil, a mesma conta de todos somados desde o primeiro, no país onde tudo começou.

A morte só costuma comover quando próxima, acompanhada de desastre natural, provocada ou  produto da perversidade humana.

Quatro pessoas que perdiam a vida por minuto passavam a dados estatísticos, sob um único e repetido diagnóstico, sem registro das verdadeiras causas.

Falta de governo, hospitais, leitos, medicamentos e pessoal capacitado para cuidar

Quando a alma interior, refletida no espelho de Machado de Assis, mandava avisar, era chegado o tempo de se procurar explicações.

Estávamos conformados diante da impotência em alterar curvas, baixar picos e achatar platôs,  aceitando por  inexoráveis, os gráficos do comportamento de doença ainda pouco conhecida?

O que atingira todos os povos e chegara perto,  podia seguir, que o pranto era de cada um, individual, reservado para os bem-amados?

Estaria escrito que no altar dos sacrifícios, que  os velhos, frágeis, pobres e desassistidos seriam imolados antes?

Nossas consciências encontrariam paz no regaço da vacina e protegidos, seríamos os últimos a deixar o vale de lágrimas e os primeiros a encontrar o divino?

Os desígnios do vírus sobrenatural preservavam os pequenos.

Como uma última chance de mais à frente,  o mundo mudar.

A  maldade não entendeu  lição tão clara e insistiu em mostrar suas garras tiranas.

Numa bala perdida.

Na falta de comida.

Na educação precária.

No absolutamente inexplicável e inaceitável.

Além dos socos e pontapés, que força ainda mais contundente atingiu o indefeso menino do Rio?

Uma vida fútil. De aparências.

Que não verteu uma única lágrima.

Que só queria mesmo, virar páginas.

Que não deixou mostrar nas alisadas madeixas, os  resquícios da raça ancestral. Nem no primeiro dia do luto maior.

Que fez de selfie na delegacia, avatar  de ficha criminal.

Que morava em cópia mal imitada do Jardim do Éden, paraíso de compras e ostentação.

Que adorava deuses de marcas famosas e dos templos de consumo, fez consultório de análise psíquica.

Que participou da farsa de transformar  nobre profissão, enfeite em nome carinhoso, armadilha para arrebanhar votos comprados.

Que jurou inocência, vestida de branco mas esperou o camburão com o preto fechado que condena sem enlutar.

Que disse ao marido cúmplice para ir  para a prisão de bermudas, sinal de curta temporada, férias e  impunidade.

Que negou o mais terrível ato, em aparente tranquilidade, sem emoção, nem compaixão.

Que merece, além de todos os rigores da lei, a máxima pena de nunca mais ser chamada de Mãe.

 

(Em memória de Henry Borel, assassinado pelo padrasto em 08/03/2021)

 

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