RÉQUIEM PARA UMA CPI
Quando seu final é anunciado, passam de quarenta, as vítimas da Comissão Parlamentar do Santo Inquérito do Senado, desde sua instalação nos idos de abril.
No início da novela, o país tomava conhecimento da escalação do time misógino, de titulares e suplentes cisgêneros, e com a transmissão em cadeia de rádio e televisão, o respeitável público recebeu uma informação, nunca antes prestada pela mais alta câmara legislativa.
Dois anos depois da eleição, foi revelado o tipo de senador que andamos elegendo.
Não foi desta vez que algum parlamentar, off the beaten track, teve a ideia de propor uma alteração na carta magna para introduzir na legislação eleitoral, o mecanismo de recall.
Antes do início do terceiro ano de mandato, os eleitores seriam convocados para confirmar o voto ou trocar de representante. Sem substituição automática pelo suplente, salvo submissão voluntária ao escrutínio extemporâneo.
No começo, em que pesem a história pregressa e folha corrida da maioria dos componentes da mesa diretora, com notórios de várias passagens pelo Supremo Tribunal, foi convocada gente de peso.
Ministros, ex-integrantes do gabinete e altos oficiais civis e militares, com poder de decisão e bic cheia de tinta para ordenar despesas.
Talvez por overdose de drogas sem comprovação científica, a vereda que passa pelos medicamentos, não levou ao destino que se anunciava: a proibição de remédios baratos e o controle da prescrição médica.
Mesmo sem ter conseguido o banimento do livre arbítrio da prática médica, não se pode dizer que esta ala tenha atravessado o samba-enredo.
A ciência ganhou uma cantora de barzinho de primeira qualidade e já se pode escolher de que lado da terra plana se deseja pular.
Como as séries que chegam ao fim da primeira temporada sem ter emplacado o retumbante sucesso esperado, na sequência depois do intervalo regulamentar e sagrado do recesso, a retomada veio com um elenco de atores inexpressivos, saídos dos filmes B.
Entre canastrões, trambiqueiros e picaretas , o destaque vai pro motoboy que mostrou, com muita propriedade, as atribuições e responsabilidades da valorosa categoria funcional.
Receber da chefia imediata, um envelope recheado de documentos bancários, incluídos os pré-históricos cheques ao portador, passar incólume pela bateria de caixas eletrônicos e entregar na boca do guichê, o butim, ao competente escriturário que eventualmente devolve o troco de algum valor excedente ou documento vencido.
Não fosse a pertinente intervenção do senador, também bacharel em ciências contábeis, teria havido engarrafamento de motocicletas no corredor da comissão, correndo o risco de acabar em passeio pelo eixo monumental. Com os líderes sem capacetes. Nem máscaras.
Apesar dos senadores-delegados, uma única prisão foi efetuada, o que convenhamos, é um desempenho deveras pífio.
E mesmo assim, o meliante pagou uma merreca de fiança e foi dormir em casa, sem ter precisado molhar a mão de ninguém.
Agora, em busca de um grand finale, anunciam a convocação da ex-esposa do ausente de maior presença.
Vai que a madame resolve abrir o preenchimento labial…
Vão prorrogar os trabalhos?
Ou a Netflix Hot Sex encomenda logo uma comédia picante para passar no canal só para adultos?
Galileo enfrentando a Inquisição Romana (1857) – Cristiano Banti – Coleção particular
El Aquelarre – Sabá das Bruxas (1798) – Francisco de Goya – Museu Lázaro Galdiano, Madri
Detalhe do Auto de Fé Presidido por San Domingo de Guzmán – Pedro Berruguete (1495) – Museo Nacional del Prado