16 de maio de 2024
Memória

RIO DE JANEIRO, ESTAÇÃO PRIMEIRA

 

 Cartão Postal (1928) – Tarsila do Amaral – Coleção privada

 

O rio de janeiro, fevereiro e março continua o mesmo.

Quem diria que alguém pudesse, no próximo século, ter saudades do chaguismo?

O jornalista Chagas Freitas fez um governo de pecados veniais.

Um empreguinho aqui, outro acolá. Coisas de varejo, clientelismo e oposição adestrada, consentida pelo regime militar.

Foi sucedido por Brizola.

Depois, as páginas políticas se confundem com as policiais.

Corria o ano da graça de 1976.

Viagens aéreas eram acontecimentos raros,  especiais, extraordinários, sempre planejados  com  muita antecedência.

Já foi assim.

Toda a família, os 50 vizinhos da direita e outro tanto da esquerda, eram comunicados e participavam dos preparativos da epopeia.

Criava-se uma expectativa  que incluía sempre a inevitável pergunta, se o viajante tinha medo de voar.

Quem não tinha, acabava tendo.

Ninguém ficava sem os conselhos dos  mais voados e experientes.

Verdadeiros tutoriais com orientações que incluíam uísque e cigarro.

Antes, durante e depois.

A indumentária, um capítulo à parte.

No saguão-passarela, desfilava le dernier cri de la mode.

Esporte fino ou domingueira para os mais jovens.

Bem sucedidos e velhos, de paletó e gravata.

Sobre as cabeças, os aviões.

E os penteados.

E muito laquê.

Não faltavam os comitês de despedida e recepção, na proporção da distância, motivo e duração do tour.

Regra da boa etiqueta: quem não podia comparecer, justificava a ausência.

Como não se  pensava ainda em SEDEX, sobravam encomendas.

A serem entregues no aeroporto.

E a  depender do conteúdo, sempre muito aguardadas.

Por muita gente.

Na família da namorada, uma mala sempre entalada com carne de sol e complementos, competia com pilotos experientes, horas de vôo,  no trajeto Natal-Rio.

Com tantas escalas, o voo deve  ter atrasado uma eternidade.

Só isso para explicar, no desembarque, a reação  daquele parente meio distante, meio idoso, conhecido pela irreverência (às vezes, pelo mau humor) que seria apresentado na ocasião, mas recusou o aperto de mão.

Não quero conhecer mais ninguém.                                Já convivo com muita gente ruim nesse mundo.

Viraram amigos.

Ele levou o beiradeiro de Nova Cruz aos melhores lugares da cidade.

Desde o primeiro Degrau.

 

Pão de Açúcar/ Ilustração para “Pau Brasil” (1925) – Tarsila do Amaral – Centro Cultural São Paulo

(Publicação original em 29/05/2019)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *