5 de maio de 2024
Opinião

RN não cuida do passado e compromete seu futuro

 

 

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Roda Viva – Tribuna do Norte – 23/02/22

Uma enorme estátua de bronze foi furtada, no fim de semana, do cemitério do Alecrim , que pertence à Prefeitura de Natal e é responsável pela sua administração.

Não se pode aceitar como um fato isolado, mas como parte do quadro de segurança (ou insegurança) da cidade do Natal, que de tanto registrar episódios de condições análogas a esta transformou essa situação vexatória num padrão aceito pela população e pelo estado que preferiu se acomodar ao ilícito em vez de defender o cidadão e fazer cumprir a lei.

No caso da estátua, além da novidade de uma peça tão pesada (estimada em cem quilos pelo pessoal da Secretaria de Serviços Urbanos), ainda é parte da memória do Rio Grande do Norte. Além de tudo, o cemitério do Alecrim é protegido por lei como parte do Patrimônio Histórico e Cultural da Cidade, o que não impediu o furto da estátua, que era uma das poucas no local que não fazia parte da cultura cristã, pois representava Hérmes, o deus grego do comércio.

Ornava o túmulo do senador João Câmara, morto, quando já estava escolhido Governador do Estado para ser confirmado na eleição de 1950 pelos dois maiores partidos (PSD e UDN). João Câmara morreu aos 53 anos de idade em dezembro de 1948.

MAIOR EMPRESÁRIO DO RN

João Severiano da Câmara, comerciante, industrial, político e fazendeiro, definido como um homem de “natureza dinâmica e empreendedora”. Foi Prefeito de Taipu e Baixa Verde, Deputado Estadual, Presidente do Partido Social Democrático-PSD e Senador da República (1947).

João Câmara constituiu-se o maior produtor e exportador de algodão do Rio Grande do Norte nas décadas de 30 e 40, numa época em que o algodão era a base da economia estadual, e maior empregador de mão de obra do Estado.

Foi o primeiro prefeito de Baixa Verde, que hoje tem o seu nome, município para cuja criação (1928) teve significativa presença. Seus armazéns e depósitos, localizados na Ribeira (na Esplanada Silva Jardim), compunham parte do cenário do bairro, área em que hoje há um estádio de futebol de várzea com o seu nome.

Morto inesperadamente (de um infarto fulminante, a 12 de dezembro de 1948), o seu sepultamento foi considerado o que movimentou maio multidão já ocorrido na cidade, até então. Em 1953 o município de Baixa Verde passou a denominar-se João Câmara.

 

VALA COMUM DO ESQUECIMENTO

 

Depois de 74 anos de sua morte, poucos conhecem um mínimo da vida, obra e importância de João Câmara para o Rio Grande do Norte. A falta de cuidado com o seu túmulo reflete o descaso com que são tratados os grandes vultos da vida norte-rio-grandense.

Georgino Avelino, José Augusto Bezerra de Medeiros, Rafael Fernandes, Juvenal Lamartine, Theodorico Bezerra, José Varela, Sylvio Pedroza e tantos outros desta geração sofrem o mesmo tratamento de completo descaso, que não é menor do que os vultos da Velha República, onde pontificaram, sobretudo, os membros da família Albuquerque Maranhão.

Situação igual a geração seguinte, cheia de exemplos para os nossos jovens. Com uma exceção, o governador Dix-sept Rosado, morto num acidente aéreo no Estado de Sergipe, no exercício do cargo, que continua sendo convenientemente lembrado na sua cidade, Mossoró.

O momento parece adequado para que as autoridades sejam questionadas e a responsabilidade que lhe cabe tanto na segurança quanto na preservação da memória estadual.

TAMANHO DO CRIME

– “Só pelo tamanho e o peso, dá para ver que pelo menos uns 15 caras levaram a estátua do Cemitério.”

Repetida por um servidor municipal essa era a melhor explicação que se tinha do episódio do Cemitério do Alecrim, embora surgisse uma versão de vizinhos da utilização de um carrinho de mudança por dois ladrões.

“A estátua não é de nenhum artista famoso, mas era importante no conjunto do patrimônio do cemitério. Era por si só diferenciada porque num cemitério cristão, é uma das poucas estátuas não cristãs, com seus capitéis jônicos, da mitologia grega. Era um espaço de curiosidade dentre os demais túmulos e tinha o propósito de ser a memória referente a um personagem importante da nossa história. “

Num país, que o troféu mais festejado – a Taça “Jules Rimet”, ganha na Copa do Mundo de 1970, disputada no México – foi desmanchada por gatunos para apurar o ouro, no caso presente, o produto do roubo deve ser entregue a algum atravessador; provavelmente o comprador de placas metálicas, cobre e bronze, furtadas do mesmo cemitério.

 

PASSADO E FUTURO

Essa é história de uma estátua que não tem a assinatura de nenhum artista famoso, mas era importante no conjunto do patrimônio do cemitério. Era por si só diferenciada porque num cemitério cristão, é uma das poucas estátuas não cristãs com seus capitéis jônicos, da mitologia grega.

Mas, não pode ficar relegada ao pé da página do noticiário policial dos jornais. Sem consequência.

Porém pode – e deve – merecer a atenção de toda a sociedade por se tratar de uma questão mais ampla.

Infelizmente não existe no meio dos inúmeros programas culturais do RN um – que funcione – para tratar da preservação de sua memória nem para estimular o conhecimento sobre aqueles que construíram o nosso estado assim como os fatos importantes de nossa história.

Mobilizar a escola pode ser um bom começo, sobretudo se conseguir o apoio de diversas entidades (empresariais, sindicais ou sociais) que tenham o legítimo DNA do RN.

Para atingir esse objetivo vale, até repetir o antigo chavão: – Um povo que não preserva seu passado, termina comprometendo o próprio futuro.

 

 

 

 

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