UM GORRO PELA PAZ
Onde houver um hospital, nas suas mais recônditas e protegidas dependências, nas salas de cirurgia, o acesso exige vestimentas especiais.
Sempre foi assim.
Desde que os primeiros procedimentos de assepsia passaram a ser acreditados.
Vestuário igual para todos.
No trabalho multidisciplinar, em equipe, cada um com sua função e a importância do cargo, desvinculada do traje.
Hierarquia preservada, provando que o hábito faz monges iguais.
Insurge um movimento mundial para a customização dos gorros cirúrgicos.
Tudo começou com um anestesista na Austrália que iniciou a peleja, para através das toucas cirúrgicas, identificar facilmente quem são os integrantes dos times, que sempre mudam de escalação em toda cancha em que jogam.
E nem todos têm rostos conhecidos.
Mesmo quem se acha o Gabigol do bisturi.
Ou, empunhando o laringoscópio, um Ítalo Ferreira.
O gasista aussie argumentava que em casos de emergência, a imediata identificação de quem deve ser acionado, ganharia segundos salvadores.
E mais vidas preservadas.
Tudo que pedia era um pouco mais do que os crachás já dão.
A justificativa, desvirtuada, passou a servir para marcar grupos e discriminar pessoas.
Agora, vale qualquer e todo critério para a dessemelhança.
Senadora Damares à parte, as meninas do bloco (cirúrgico) escolheram o rosa pra adornar as cabeças.
Apareceram outras enfeitadas.
De oncinha, e nas cores do arco-íris.
Pediatras interagem, vestindo personagens dos desenhos.
Daí, para outros subgrupos foi sem limites.
As revelações das preferências subiram às cabeças.
Das cores e escudos dos time de futebol, aos símbolos dos vários sexos e tendências políticas.
Motivo para os que se acham escolhidos pelos deuses se destacarem dos reles mortais.
E pra que fique bem claro: os neurocirurgiões se escolhem.
Na terra brasilis, onde tudo permanece dividido, antes que a polarização precise da ONU para mediar o conflito, é melhor que voltem os gorros brancos.
Da paz.
(Tema abordado originalmente neste TL, em 01/03/2020)