UM PORRE DE AUTORIDADE
Pessoas com crise de identidade não perdem oportunidade de perguntar a desconhecidos, se sabem os nomes delas.
Carteirada não é invenção do século XXI.
Nos anos 60, na calçada da Farmácia Santa Therezinha, de Carluce Medeiros, na Rua Grande, único estabelecimento que abria à noite na Rainha do Agreste, era onde os notáveis se reuniam.
Ainda no tempo que não chegava sinal de TV, depois da janta, sempre havia quórum e nunca faltava assunto para o bate-papo.
Os participantes: autoridades, funcionários graduados e pessoas de bem e posses.
De vez em quando, algum caixeiro-viajante trazendo as novidades do Recife e d’alhures, abrilhantava a tertúlia.
Transcorria como de hábito o plenário, quando chega um bêbado contumaz, folclórico pela verve.
Tinha por costume, pedir algum trocado, ser atendido e pegar o beco do cinema.
Logo na estréia, recém-chegado à cidade, o novo juiz, ainda sem saber as regras do convívio, resolveu contrariar o bebum.
Fez a clássica pergunta: se o interlocutor alcoolizado sabia com qual condestável estava falando.
O diarista não mentiu.
Não tinha a menor ideia de quem era o novato.
Nunca o tinha visto tão gordo.
Nem tão careca.
O magistrado, pau-sa-da-mente, declama o nome completo, precedido do intimidante Doutor.
O ébrio resolve manter o nível do diálogo e pede a confirmação do que acabara de ouvir.
– Quer dizer que tu é doutor?
O togado confirma com ênfase e diz ser ele sim, o novo Senhor Doutor Juiz de Direito da Comarca de Nova Cruz.
A partir daí foi um solilóquio etílico:
– Tu é doutor… né? …tu é doutor…
E a inesperada e desafiadora pergunta:
– Tu opera?
Não esperou nem a resposta que sabia negativa, e concluiu:
– Então, tu é um bosta.
Daquela vez, a carraspana foi curtida no xilindró.
(Este pileque já foi contado neste Território Livre em 03/08/2019)